quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

JUSTIÇA MAIS RÍGIDA CONTRA QUEM DIFAMAR, POSTAR E COMPARTILHAR OFENSAS PELA INTERNET

G1 JORNAL HOJE, Edição de 25/02/2015



Justiça está mais rígida com quem usa a internet para difamar pessoas. Quem posta ou compartilha também é punido. Responsável pela ofensa pode pagar multa.

Neide Duarte São Paulo, SP





A justiça brasileira está mais rígida com quem usa as redes sociais e os grupos de conversas de celular para ofender, falar mal, difamar os outros. Quem posta a ofensa é punido, quem compartilha é punido e quem simplesmente entra na página e concorda com o que viu também é punido. Já tem casos em que a vítima ganhou uma indenização de R$ 20 mil de todos os envolvidos.

O mundo que se exibe numa tela, onde a vida é meio de verdade, meio de mentira, meio civilizada, meio selvagem, e cada um diz o que quer acreditando estar livre de qualquer conseqüência, a cada dia fica mais parecido com o mundo real.

Nos últimos seis anos passaram pela justiça brasileira mais de 500 casos de vítimas de ofensas virtuais. Na grande maioria quem ofendeu foi julgado criminalmente e, além disso, pagou uma multa de R$ 20 mil a R$ 30 mil.

Quem responde pelo crime virtual? Em primeiro lugar, o responsável pela internet naquele computador.

“Como no caso de automóveis, aquele que vai responder se não puder dizer que foi outra pessoa e apresentar, é o dono do veículo que tem identidade amarrada à placa o carro. A mesma coisa acontece na internet. Em termos de resultados para isso é que a internet gera mais provas. Está tudo documentado”, diz a advogada especialista em crimes virtuais, Patrícia Peck.

A publicitária Viviane Teves sabe disso e pretende entrar na justiça por causa de estranhas mensagens que vem recebendo. Ela foi estuprada, dez anos atrás e agora resolveu contar essa história numa rede social, como forma de alerta para outras mulheres.

“Deu meia-noite e eu comecei a receber mensagens no celular: ‘parabéns pelos 10 anos de estupro, espero que seja estuprada novamente, só vim aqui para te dar parabéns’”, conta.


“Alguém começa uma piada, uma brincadeira de mau gosto e as outras pessoas curtem e começam a compartilhar isso achando que 'tudo bem, não vai me acontecer nada'. Mas não é assim. Todos os que se juntam na ofensa à uma pessoa, respondem junto com a pessoa que publicou aquele conteúdo”, explica a advogada.

Uma menina de 11 anos está sofrendo há alguns anos com ofensas de colegas de classe, pessoais e nos últimos tempos virtuais. Este ano além do grupo da rede social, os colegas criaram um grupo no celular.

“Conversava das lições tudo. Aí depois, a gente entrava num assunto começava a me chamar de chata, de gorda, de monstra”, conta a menina.

“Pretendo marcar com pais dessas crianças que fazem isso com minha filha: para pararem que a gente sabe onde isso acaba... Em depressão. Ela não vai querer mais estudar por causa disso. E coisas piores. A gente vê isso na família”, fala a mãe da menina.

“A internet promove uma certa covardia. É público, mas acaba sendo de uma forma, pelas costas, com requinte de maldade. Hoje crimes tipificáveis pelo Código Penal Brasileiro tem sido o de difamação, que seria você expor a honra, a imagem de uma pessoa pela internet, e esse crime pode estar associado a outros: incitação ao crime, por exemplo, a ameaça. Se decidir ir para justiça tem prova para punir essas pessoas”, completa a advogada.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

JUSTIÇA DETERMINA BLOQUEIO DE BENS DE EX-GOVERNADOR ACUSADO DE IRREGULARIDADES


REVISTA ÉPOCA  20/02/2015 18h54


Justiça determina o bloqueio dos bens de Agnelo Queiroz. Ex-governador do Distrito Federal é acusado de irregularidade em reforma de autódromo e na contratação da Fórmula Indy

REDAÇÃO ÉPOCA


Agnelo Queiróz (Foto: Wilson Dias/ABr)

A Justiça do Distrito Federal determinou na tarde desta sexta-feira (20) o bloqueio dos bens do ex-governador Agnelo Queiroz, do PT, e de mais cinco pessoas. Segundo a decisão, serão bloqueados todos os bens dos réus até um limite de R$ 37,2 milhões, somado entre os seis.

O Ministério Público acusa Agnelo pela irregularidade no contrato de transmissão da Fórmula Indy. Segundo a denúncia, Agnelo fechou um contrato com a empresa transmissora do evento esportivo em março de 2014. A acordo, no entanto, foi assinado sem a presença de testemunhas e nunca foi publicado no Diário Oficial, o que, para a promotoria, é um indício de irregularidade.

Além disso, o governo do Distrito Federal fechou um convênio para transferir recursos da Terracap para a Novacap. As duas empresas são públicas e controladas pelo DF. Com o convênio, a Novacap lançou um edital para contratar uma empresa para reformar o autódromo Nelson Piquet. Esse processo de licitação está sob suspeita de superfaturamento de R$ 35 milhões.

Ao portal G1, a defesa de Agnelo Queiroz disse que o ex-governador ainda não foi notificado e que, assim que tomar conhecimento do teor da decisão, deverá recorrer.

Além de Agnelo, a Justiça bloqueou os bens de Maruska Lima de Sousa Holanda, ex-presidente da Terracap; André Duda, ex-secretário de publicidade institucional do GDF; Jorge Antônio Ferreira Braga, ex-diretor financeiro da Terracap; Sandoval Santos, ex-chefe da assessoria de comunicação da Terracap; e Deni Augusto Pereira, ex-advogado-geral da Terracap.

A SOLUÇÃO PARA A CORRUPÇÃO TEM DE SER A PRISÃO


REVISTA ÉPOCA 06/12/2014 10h15

Fausto De Sanctis: "A solução para a corrupção tem de ser a prisão". Pioneiro no julgamento de escândalos de crimes financeiros, o desembargador defende a delação premiada e a dureza na punição aos criminosos de colarinho branco

GUILHERME EVELIN E PEDRO MARCONDES DE MOURA



VINGADO
Fausto De Sanctis, em seu gabinete. Ele diz que o mensalão mudou o Judiciário (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)

Em seu gabinete no Tribunal Regional Federal de São Paulo, o desembargador Fausto De Sanctis acumula livros sobre o combate ao crime organizado. O tema é uma obsessão dele. Aos 50 anos, Sanctis foi responsável por julgar na primeira instância duas das mais controversas operações de combate à corrupção no país. Na Satiagraha, expediu a prisão do banqueiro Daniel Dantas. Na Castelo de Areia, julgou a construtora Camargo Corrêa. As sentenças, reformadas por tribunais superiores, lhe valeram a fama de linha dura e uma série de procedimentos administrativos. Em sua opinião, é uma situação bem diferente do que ocorreria hoje. O motivo: o julgamento do mensalão pelo STF.

ÉPOCA – No último mês, houve a prisão de dirigentes de grandes empreiteiras e operadores de partidos políticos. Fatos antes inimagináveis. Isso é resultado de evolução institucional?
Fausto De Sanctis – As varas da Justiça especializadas em crimes econômicos, criadas lá trás, foram a grande mudança. Isso é reconhecido internacionalmente. Ocorreu uma especialização dos atores do processo de persecução penal. Depois de 2003, houve também uma qualificação da Polícia Federal. O Ministério Público e os juízes especializados também se aperfeiçoaram. Isso permitiu que esses processos, antes difusos e espalhados pelas varas, fossem concentrados nas mãos de pessoas que puderam lhe dar fluidez. Agora, um divisor de águas, sem dúvida, foi o mensalão.

ÉPOCA – Que consequências teve o julgamento do mensalão?
Sanctis – Foi o grande caso em que o STF referendou, com suas decisões, muito do que se criticava no trabalho das varas. Antes do mensalão, havia um desencorajamento geral de quem estava à frente do combate de qualquer crime econômico. Houve uma paralisia da Polícia Federal e um desestímulo aos juízes federais criminais. Viam que nada adiantava. Conheço a seriedade do trabalho do juiz Sergio Moro. Ele mesmo chegou a revelar, uma vez, certo desestímulo. O julgamento do mensalão deu ânimo a todos. Não era possível que a verdade dos fatos fosse renegada. Houve uma apreciação com base na realidade levada ao STF, que atuou não apenas na abstração constitucional.

ÉPOCA – O juiz Moro é tachado de ativista, a mesma crítica feita ao senhor nas operações Satiagraha e Castelo de Areia.
Sanctis – No Brasil, quando o juiz atende a todo e qualquer pedido da defesa, ele é garantista. Ao revés, quando aplica o direito aos fatos, em desfavor do réu, é tido por arbitrário, autoritário. Não é nada disso. Está apenas cumprindo seu papel. O ativismo é uma crítica para desqualificar, que muitos traduzem assim: “Ah, esse juiz quer colocar todo mundo na cadeia, e cadeia não é solução para nada”. É uma falácia. O Brasil assina as convenções internacionais e as descumpre internamente. Crime de corrupção precisa ter como resultado a prisão.

ÉPOCA – Muitos juristas afirmam que a melhor punição aos criminosos de colarinho branco não é a prisão, mas pesadas multas em dinheiro.

Sanctis – O criminoso econômico é ambicioso, tem avidez. Compensa suas ações com medidas sociais para aliviar a culpa. No caso de multa, a punição compensaria as práticas ilícitas. A solução tem de ser a prisão. Quando o Estado começar a mostrar para a sociedade, como fazem os países desenvolvidos, que os crimes têm consequência, a criminalidade começará a reduzir. Isso precisa ser feito aqui. O crime organizado sangra o Brasil – um país que só não é mais rico por causa da corrupção. Ela se difundiu de tal forma que ninguém teme mais nada.


ÉPOCA – O brasileiro é tolerante com a corrupção?
Sanctis – A sociedade brasileira é paradoxal. É severa na corrupção e totalmente tolerante na sonegação. Os dois são igualmente perniciosos. Causam prejuízos do mesmo modo aos cofres públicos. Temos de quebrar esse círculo vicioso, uma sociedade que tem certa tolerância a práticas criminosas e ilícitas. A corrupção está impregnada no Estado, a tal ponto que é quase impossível combatê-la. Mas há um método muito interessante: a delação premiada.

ÉPOCA – Muitos juristas têm restrições à delação premiada.
Sanctis – Causa-me estranheza esse tipo de argumentação. A delação premiada é um instituto consagrado. Existe há muito tempo no Brasil. Dizem que o uso dela é antiético. Isso não é verdade. A regra de que não se pode delatar é do criminoso, do delinquente, da máfia. A delação premiada é um instituto útil, porque facilita a descoberta da verdade. Também é estratégico para a defesa, ao permitir que o cliente seja beneficiado por uma conduta positiva. Os próprios advogados deveriam estimular a delação. Segundo o Código de Ética da OAB, o advogado tem o dever de atuar em favor da verdade.

ÉPOCA – Confiar na palavra de um criminoso não é arriscado?
Sanctis – É preciso ter uma cautela muito grande. Durante o combate à Máfia, as forças públicas italianas sabiam que, às vezes, a delação era usada para acertos internos das organizações. O delator é uma testemunha suspeita. O princípio de presunção da inocência do delatado tem de ser preservado. Não é porque foi delatado que é verdade. As delações só são úteis à Justiça se trouxerem elementos provando o que foi dito.

ÉPOCA – Na Operação Castelo de Areia, houve uma controvérsia em relação à delação premiada, que contribuiu para a anulação do processo pelo STJ.
Sanctis – As delações premiadas, quando foram feitas, foram desbravadoras, porque não havia regulamentação. O procedimento adotado pela 6a Vara, onde eu era titular, foi abraçado integralmente pela nova lei. Naquela época, os tribunais entendiam que o teor de uma delação premiada podia ser dado às partes. A nova lei diz que o teor não pode ser dado até a investigação acabar. Os fatos foram deturpados. No início, a Castelo de Areia envolveu delação premiada, denúncia anônima, fatos de outra operação e o acompanhamento de um suspeito de ser doleiro, que entrava e saía com malas de uma empresa. O fato é esse. Justificou uma interceptação telefônica. O STJ decidiu que não havia justificativa e considerou que houve só denúncia anônima.

ÉPOCA – Há delatores recorrentes. Isso não torna a delação uma segurança prévia para o criminoso, caso seja pego?
Sanctis – Doleiros que já foram condenados e fizeram delações no passado e novamente são investigados – quer na Lava Jato, quer em outra operação – não deveriam ser merecedores de qualquer benesse. Eles não são minimamente confiáveis. O delator tem de mostrar também, imediatamente, arrependimento. Estabeleci, nos processos em que atuei, a reparação imediata da sociedade como forma de arrependimento. Trinta e oito instituições de caridade foram ajudadas com o dinheiro da delação premiada.


ÉPOCA – O que o senhor acha das propostas de acordo com as empreiteiras envolvidas na Lava Jato para evitar a paralisia da economia?
Sanctis – Não posso tecer considerações sobre casos concretos. Por vezes, os investigados usam estratégias para se perpetuar na prática criminosa. Versões no sentido de que a prática de crimes foi motivada por coação pretérita não são delação, tampouco confissão, de modo que a invocação dessa tese se distancia da delação premiada, que implica a confissão e não a justificativa da prática criminosa. A Lei Anticorrupção prevê que o acordo de leniência só deve ser feito com a primeira pessoa jurídica a firmar o acordo, não é para todos. Os fatos praticados por essas empresas, se confirmados, são gravíssimos. As consequências previstas em lei são suspensão das atividades, perda de bens e dissolução das empresas, se for o caso. Se o objeto de uma empresa é a prática criminosa, ela deve ser encerrada. Essa tem de ser a resposta. O país não parará, ele já parou há muito tempo. Não temos sistema de saúde ou educação, estão parados! A gente só finge que eles existem.

"Se o objeto de uma empresa é a prática criminosa, ela deve ser encerrada"

ÉPOCA – O senhor dá palestras no exterior sobre lavagem de dinheiro. Qual a visão de fora sobre a corrupção no Brasil?
Sanctis – Querem saber como o Brasil trata a corrupção. Numa das palestras nos Estados Unidos, organizada pela ordem dos advogados de lá, o tema era como as empresas estrangeiras devem se comportar nos países onde a corrupção é sistêmica. Eu dizia o seguinte: a corrupção é como um ônibus. Você pode ficar do lado de fora, fechar os olhos e deixar o ônibus passar. Pode entrar e fingir que não acontece nada. Mas pode também ficar na frente dele. O ônibus vai até continuar, mas você pode diminuir a velocidade dele.

ÉPOCA – O senhor conduziu duas operações interrompidas pelas cortes superiores. Sua sensação é que conseguiu frear um pouco o ônibus ou se sentiu atropelado?
Sanctis – Não sei se consegui ter algum efeito, mas, que fiquei na frente do ônibus, fiquei. Nunca cedi à corrupção.

ÉPOCA – Por duas vezes, seu nome foi indicado pelos juízes federais para uma vaga no STF. O senhor tem vontade ser ministro?
Sanctis – Gostaria, obviamente, de ir ao Supremo. Não escondo. Não acho conveniente ou delicado fazer qualquer tipo de pressão ou campanha. Mas o recado tem de ser dado: eu gostaria. Humildemente, acho que teria condições de assumir um cargo de tamanha magnitude. Mas quero que a presidente fique à vontade para escolher quem ela achar melhor. Estou bem onde estou.

O BRASIL ESTÁ SE PASSANDO A LIMPO


REVISTA ÉPOCA 20/02/2015 20h42

Luís Roberto Barroso: “O Brasil está se passando a limpo”. O ministro do Supremo, relator do mensalão, diz que o Tribunal está pronto para enfrentar os processos contra os políticos do petrolão e defende o fim do foro privilegiado

DIEGO ESCOSTEGUY



DEPURAÇÃO O “novato” Barroso lidera, no Supremo, as mudanças que visam a tornar as punições mais efetivas (Foto: Sergio Lima/Folhapress)


O ministro Luís Roberto Barroso nem completou dois anos no Supremo, mas já fala com a convicção e a serenidade dos veteranos. Como a presidente Dilma Rousseff hesita há meses a nomear o sucessor de Joaquim Barbosa, Barroso ainda é “o novato”, na definição do veteraníssimo Marco Aurélio Mello, sempre mordaz. As opiniões assertivas e logicamente impecáveis de Barroso, reconhecido como um dos maiores constitucionalistas do Brasil, incomodam alguns dos ministros do Supremo, um tribunal de notáveis – e de notáveis vaidades. Nesta entrevista, Barroso, que passou a relatar o mensalão após a aposentadoria de Barbosa, reflete com cauteloso otimismo sobre a situação difícil do país, explica como o Supremo está tentando punir os poderosos e defende o fim do foro privilegiado para parlamentares e ministros.

ÉPOCA – O brasileiro convive com uma economia estagnada, um megaescândalo de corrupção na Petrobras e um governo que parece paralisado por tudo isso. Quão profunda é a crise pela qual passamos?
Luís Roberto Barroso – O Brasil está vivendo uma crise de amadurecimento. Decorre de uma cidadania que se tornou mais consciente, mais exigente e, de certa forma, mais participativa. E isso é bom. O problema é que as instituições e os serviços públicos ainda não conseguiram se ajustar adequadamente a essas novas demandas. Mas nós avançamos. Para perceber isso, é preciso enxergar o Brasil em três planos distintos: um plano político, um plano econômico e um plano institucional. No plano político, temos vivido as turbulências de uma eleição que dividiu o país de uma maneira muito relevante – não apenas dividiu, mas o polarizou. As pessoas saíram ressentidas das eleições: um lado ressentido com o outro. Existe a turbulência econômica, reconhecida por todos. Porém, do ponto de vista institucional, o país vai muito bem. Nós temos democracia e nós temos respeito às regras do jogo. Ou seja, amadurecemos institucionalmente.


ÉPOCA – Não é pouco? No plano concreto, muitas pessoas estão, em resumo, infelizes com a vida que levam.
Barroso – Pode parecer pouco, mas o Brasil sempre foi historicamente o país do golpe de Estado, da quartelada, da quebra da legalidade constitucional. E nessa matéria nós superamos todos os círculos do atraso. Já vivemos há 30 anos com estabilidade institucional – apesar de muitas crises, desde a destituição de um presidente da República até o abalo representado pela Ação Penal 470 (o mensalão).

ÉPOCA – Pensar no longo prazo, seja no passado ou no futuro, nos ajuda a pôr os fatos políticos no devido contexto. Mas e o presente?
Barroso – No longo prazo, são as instituições que contam. São elas que mantêm o estado de direito. A política se move por objetivos de curto prazo; a economia, muitas vezes, também. As instituições, no presente, somos nós todos. O Brasil tem progredido muito do ponto de vista institucional. Há muitas coisas a mudar, mas há coisas boas a celebrar.

ÉPOCA – Essa maturidade institucional será suficiente para suportar os possíveis choques que se avizinham, diante dessa combinação de crises?
Barroso – Não tenho nenhuma dúvida. Os Poderes da República vivem um momento de especial equilíbrio. No Executivo, a presidente foi eleita democraticamente, e nós já não vivemos no Brasil aquela tradição de hegemonia autoritária do Executivo. O Legislativo vive uma certa afirmação de autonomia. O Judiciário deixou de ser aquela torre de marfim inacessível. Passou a ser um bom garantidor de direitos individuais e de proteção às instituições. Existem disputas pontuais, mas isso existe em todas as democracias.

ÉPOCA – Casos de corrupção, como o desvendado na Operação Lava Jato, passam a sensação de que prevalece uma degradação institucional no Brasil. É uma impressão correta?
Barroso – Acho que o Brasil está se passando a limpo. Quando eu falo de ética, me refiro tanto à ética pública quanto à privada. É preciso chamar a atenção para a existência de uma certa moral dupla, em que as pessoas exigem o que nem sempre estão dispostas a dar. A mudança ética no Brasil tem de ser pública e privada.


ÉPOCA – A expressão “passar a limpo” já foi muito usada, e o Brasil continua, aparentemente, sujo. Não há um certo moralismo paralisante nela?
Barroso – É inegável que temos avançado na depuração ética. Às vezes não na velocidade que a gente gostaria, mas na direção certa. Vou dar um bom exemplo. Quando a apuração da Ação Penal 470 começou, em 2005, havia um grande ceticismo. Ninguém achava que aquilo fosse dar em coisa alguma. A verdade é que resultou em penas relevantes de prisão para mais de duas dezenas de pessoas, entre políticos importantes e empresários importantes. Portanto, só isso já foi uma mudança de patamar no país.

ÉPOCA – O clichê de que o brasileiro tem memória curta procede, então?
Barroso – Na vida, as pessoas realizam os ganhos rapidamente, mas remoem as perdas durante muito tempo. A partir do momento em que se teve o ganho, no caso a condenação efetiva de muitas pessoas, vem o passo seguinte: “Ah, mas ficaram presas por pouco tempo”. Já é o dia seguinte de uma mudança de paradigma. Se ficaram presas por pouco tempo, isso se deve às leis atuais – e as leis têm de valer para todos. O interessante é que nós fomos do ceticismo de que não haveria qualquer punição a uma certa insatisfação de que a punição que existiu foi menos duradoura do que se imaginava. A prova de que nós mudamos de patamar é que agora, quando se discute o assim chamado petrolão, ninguém mais está achando que não vai dar em nada, que ninguém vai ser punido, que ninguém vai ser preso.

ÉPOCA – O julgamento do mensalão realmente mudou o Supremo e os processos criminais no Brasil? Há quem tema que o Supremo ponha fim à Lava Jato.

Barroso – Não é o caso. A impunidade não é mais a regra. Na Ação Penal 470, houve algumas mudanças importantes. No caso de crime de peculato, que é o desvio de dinheiro, para progredir de regime prisional o condenado tem de devolver o dinheiro desviado. Porque a condenação é uma pena de prisão mais uma multa. Também tenho me empenhado para moralizar a prisão domiciliar. Prisão domiciliar é prisão. Não pode viajar por aí. É importante moralizar a prisão domiciliar: ela é uma alternativa humanitária às condições degradantes dos presídios. O país está um pouco menos tolerante com infrações penais de uma maneira geral, inclusive a dos poderosos.


ÉPOCA – Com as denúncias de políticos no petrolão, o Supremo será exigido mais uma vez. O Tribunal dará conta?
Barroso – Não há por que duvidar. O Supremo tem contribuído muito para uma arrumação do Direito Penal no Brasil. O Direito Penal deve ser moderado, mas deve ser sério. Porque, numa democracia, uma repressão penal proporcional, respeitado o devido processo penal, é indispensável para a vida civilizada – e para a própria proteção dos direitos fundamentais das pessoas. Temos tido avanços no sistema penal. Não com a construção de um estado policialesco, mas com algumas mudanças que quebram esse paradigma de impunidade.

ÉPOCA – Por exemplo?
Barroso – No Supremo, nós passamos do plenário para as turmas o julgamento dos processos criminais. Pode parecer pouco, mas se desobstruiu o plenário. Nós julgamos, em 2014, 35 ações penais e 12 julgamentos finais. Isso apenas na primeira turma, em que atuo. É mais do que o plenário havia julgado em muito tempo. Como essas ações que chegam ao Supremo são quase todas contra parlamentares, estamos superando a impunidade que prevalecia. Uma segunda mudança importante, também para evitar a impunidade, diz respeito ao parlamentar que renuncia ao mandato para fugir do julgamento no Supremo. Entendemos que esse estratagema não pode valer. O parlamentar, mesmo se renunciar, será julgado pelo Supremo.

ÉPOCA – Se a lei vale para todos, não seria o caso de acabar com o foro privilegiado?
Barroso – Eu acho que o capítulo final dessa história será uma redução drástica do foro. O foro privilegiado deve existir somente para presidente da República, para o vice-presidente e para os demais chefes de Poder. A médio prazo, eu seria um defensor dessa mudança. Depende do Congresso. Minha proposta é que se crie uma vara federal em Brasília apenas para julgar esses casos. Caberia recurso ao Supremo. Certamente acho muito ruim que isso fique no Supremo.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

O JUIZ MORO



ZERO HORA 13 de fevereiro de 2015 | N° 18072



MOISÉS MENDES*



A grande interrogação em torno do desfecho da Operação Lava-Jato é esta: até onde irá o juiz federal Sérgio Moro para que se cumpra por completo a elucidação do que aconteceu na Petrobras?

Para alguns, elucidar é punir apenas o período do PT no governo. Para outros, o juiz terá sido parcial se não voltar ao tempo do PSDB no poder.

O juiz Moro tem a confiança de quem acha que irá pegar apenas o PT. Tanto que tucanos e simpatizantes o exaltam com vigor na internet como o novo Joaquim Barbosa, que fez o serviço no julgamento do mensalão.

A esperança dos petistas se sustenta na certeza de que Moro não pode ser um novo Barbosa, que triturou os corruptos do partido e, quando achavam que pegaria os corruptos dos outros, despediu-se do Supremo com uma aposentadoria precoce. O PT acha que, se escapou do julgamento do mensalão mineiro no Supremo, o PSDB não pode escapar agora do juiz do petrolão.

Esse é o duelo da Operação Lava-Jato. Os velhos corruptos alegam que roubaram pouco e há muito tempo. Os novos querem saber se algum ovo da Petrobras não foi chocado em ninhos tucanos. A maioria do povo, sem partido, quer que ambos sejam enjaulados.

Esta semana, um empreiteiro delator finalmente contou que o cartel roubava desde o início dos anos 90, repartindo obras, superfaturando e pagando propinas. Um ex-gerente jurídico da Petrobras repetiu o mesmo.

Confirmou-se a suspeita óbvia de que a Petrobras foi raptada pelos empreiteiros. Cerveró, Cunha, Barusco e Duque eram seus capachos.

Não é mais indício, é a confissão de quem comandava o esquema. Foi-se a tese de que grupos poderosos eram vítimas de achacadores. Eles montaram a quadrilha.

Agora, é esperar para ver até onde irá o juiz Moro. Os políticos com foro privilegiado não são da sua alçada, estão sob os cuidados do Supremo. Se não quiser continuar seu trabalho catando laranjas pequenas, como essa empresa de Santa Catarina flagrada na semana passada, Moro terá de ir mais fundo.

E ir mais fundo é voltar no tempo e farejar os rastros do cartel nos anos 90. Os delatores devem estar loucos para ajudar.

Esperemos para ver se o juiz Moro fará esse caminho de volta, para que depois não digam que não recolheu laranjas graúdas, e com penas coloridas, deixadas lá atrás.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A CADA UM, O QUE É SEU





ZERO HORA 11 de fevereiro de 2015 | N° 18070



FÁBIO DUTRA LUCARELLI*



Em 2014, a 20ª Vara Federal do TJ-RS criou o projeto “Entregando a cada um o que é seu”, iniciativa pioneira no Judiciário Federal, que abrange processos nos quais estão pendentes a destinação de valores em dinheiro resultantes de ações contra a Previdência Social abertas por cidadãos comuns.

Descobrimos que milhares de processos se encontravam arquivados com valores depositados pelo INSS, quantias referentes a pagamentos a autores de ações vitoriosas que, por inúmeras razões, não souberam do resultado. Sabendo que pessoas, em geral de parcas condições financeiras – mais que isto, que eram donas daquelas quantias –, estivessem alheias ao resultado do seu processo, começamos a adotar práticas que possibilitassem que os montantes fossem efetivamente entregues a quem pertencia.

Passamos a consultar bancos de dados como INSS e Receita Federal. Buscamos localizar as pessoas – que muitas vezes eram comunicadas até por telefone da existência de valores – ou, caso falecidas, seus sucessores eram intimados para que tomassem ciência do processo e dos valores.

Focando no objetivo final de entregar os valores, a prática motivou a equipe da Vara pelo retorno alcançado e, desde fevereiro de 2014, já entregamos aos segurados da Previdência ou a seus herdeiros mais de R$ 800 mil, sendo outros R$ 300 mil devolvidos aos cofres públicos, pois estavam indevidamente depositados.

Além de reconhecer as práticas inovadoras e promover os avanços do Judiciário, o Prêmio Innovare aumenta a motivação pessoal dos envolvidos e agrega visibilidade à prática. Estar entre os três premiados nos permitiu ter consciência de que o trabalho realizado é efetivamente relevante para a Justiça e para a vida do brasileiro.

Há um longo e tortuoso caminho a ser percorrido até a resolução final dos problemas, sendo a inovação e comprometimento com o resultado fatores preponderantes para que o ponto de chegada seja aquele planejado no início da caminhada.

*Juiz federal da 20ª Vara Federal de Porto Alegre