segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

ELE DEU UM GOLPE NA IMPUNIDADE


ZERO HORA 31/12/2012 e 01/01/2013 | N° 17299

JOAQUIM BARBOSA

Se tivesse chegado ao topo da carreira como procurador da República, Joaquim Benedito Barbosa Gomes já teria cumprido uma trajetória de exceção, como filho de um pedreiro e de uma dona de casa. Se tivesse completado sua performance como operador do Direito na condição de ministro do Supremo Tribunal Federal, teria sido uma figura ímpar do Judiciário brasileiro. E se a sua maior façanha, na sequência, fosse a ascensão como primeiro negro na presidência da mais alta Corte do país, seu currículo seria inigualável. Joaquim Barbosa é, no entanto, bem mais do que o caso raro e edificante de superação de um mineiro pobre que chegou aonde poucos conseguem pela capacidade de perseverar.

O relator do mais rumoroso caso julgado pelo STF enfrentou desconfianças e reações do poder político, para enfim reabilitar a imagem da Justiça e confortar a sociedade com a certeza de que figurões da República não mais terão a proteção da impunidade. O feito do juiz do mensalão para o país tem a grandeza das suas proezas pessoais. Foram quatro meses e meio de um julgamento em que o relator fez prevalecer, junto à maioria dos ministros, a argumentação de que o esquema montado pelo governo, para compra de votos no Congresso, de fato existiu. Foi pela atuação vigorosa de Joaquim Barbosa que 25 dos 37 réus acabaram sendo condenados, depois de 138 dias de julgamento.

É um equívoco, na simplificação da sua importância como relator do mensalão, apontá-lo como um herói justiceiro do Brasil. Os ministros do Supremo não têm a atribuição de aplacar iras ou fazer linchamentos. Apesar de criticado em alguns momentos, por ser considerado impositivo e refratário a questionamentos, Joaquim Barbosa deixou como sua marca, durante o julgamento, a correção e a altivez. Os réus, seus advogados e militantes partidários fizeram várias tentativas para depreciá-lo, especialmente depois das condenações, com argumentos que extrapolaram a controvérsia sempre presente nas decisões da Justiça.

Foi assim que o ministro e seus colegas chegaram a ser apontados como influenciáveis pelo que se definia genericamente como mídia conservadora, em conluio com interesses políticos contrariados. Joaquim Barbosa foi, na verdade, cúmplice da maioria que esperava e teve uma resposta categórica do Judiciário à afronta de graves delitos políticos. O agora presidente do Supremo passa a ser uma referência histórica para o país, por sua conduta como julgador independente e como cidadão exemplar.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

UM ATO JURÍDICO PERFEITO


O Estado de S.Paulo 19 de dezembro de 2012 | 2h 06

OPINIÃO


Em algum momento de 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) oficiará à Mesa da Câmara dos Deputados para que dê curso à decisão da Corte, tomada na segunda-feira, ao término do julgamento do mensalão, de cassar os mandatos dos parlamentares João Paulo Cunha (PT), Pedro Henry (PP) e Valdemar Costa Neto (PR). A decisão alcançará o suplente José Genoino, também do PT, quando assumir. Todos foram condenados por sua participação no escândalo. Àquela altura, depois da publicação do acórdão, resumindo o caso que consumiu 53 sessões plenárias e do exame, em seguida, dos embargos que vierem a ser apresentados pelos defensores dos 25 réus inculpados, o histórico processo chegará efetivamente ao fim, iniciando-se o cumprimento das sentenças.



Bem antes, o atual presidente da Câmara, o petista Marco Maia, terá sido sucedido, ao que tudo indica, pelo peemedebista Eduardo Alves, conforme o revezamento acertado entre os respectivos partidos, os principais da Casa. É de esperar que este não imite o antecessor na contestação politicamente motivada de um ato de incontestável legitimidade do mais alto tribunal do País ao qual a Constituição atribuiu a prerrogativa e o dever de dar a última palavra sobre a aplicação do seu texto. Numa interpretação no mínimo equivocada do mandamento constitucional, ele acusa o Supremo de "interferir" na autonomia do Legislativo, ao determinar que os citados parlamentares sejam destituídos de seus mandatos em consequência das penas recebidas, que acarretam a suspensão automática dos direitos políticos dos condenados.

Maia entende que a cassação, para se consumar, dependeria da concordância da maioria absoluta do plenário, em escrutínio secreto. Não é verdade. Como explicou o ministro Celso de Mello, decano do STF, no seu voto decisivo, a condenação de um parlamentar a mais de quatro anos de prisão produz efeitos incontornáveis. "Não se pode vislumbrar o exercício de mandato parlamentar", sustentou, "por aquele cujos direitos políticos estão suspensos." É fato que, em certas circunstâncias, a Constituição confere à Câmara ou ao Senado a prerrogativa de decidir o destino daquele de seus membros passível de perder a cadeira. Por exemplo, quando sofre condenação criminal, conservando porém os seus direitos políticos - o que faz todo sentido. A Carta deliberadamente deixou de incluir entre as hipóteses de votação casos de perda ou suspensão desses direitos. A omissão, além de lógica, é eloquente.

Bastaria o mero bom senso para caracterizar a situação aberrante de um político preso com o mandato preservado. Em regime fechado, simplesmente não poderia exercê-lo. Em regime prisional semiaberto, como o que tocará ao ex-presidente do PT José Genoino, seria surrealista - e desmoralizante para o Congresso - ele ter de deixar o recinto, a cada sessão, para se recolher ao estabelecimento penal em que deverá pernoitar. Argumenta-se que, apaziguada com a ratificação de sua autonomia, a Câmara acabaria cassando ela própria os mensaleiros. Mas a questão de fundo é outra - a da inviolabilidade do poder decisório do Supremo em matéria constitucional, base do Estado Democrático de Direito brasileiro. Tampouco se pode invocar que as cassações foram aprovadas por um único voto de diferença (5 a 4). Aliás, não tivesse o então ministro Cezar Peluso que se aposentar, a margem seria de 2 votos, a julgar pela única sentença que proferiu, condenando o deputado João Paulo Cunha e privando-o do mandato.

Enquanto a decisão não for revista, se é que isso ocorrerá, no exame dos chamados embargos infringentes que serão interpostos pelos advogados dos réus, ela representa a voz do Supremo - de todo coerente com os veredictos que devolveram a confiança da população na capacidade do Judiciário de punir exemplarmente a corrupção nos círculos dirigentes do País. E isso no âmbito da mais complexa ação penal que o STF já teve de destrinchar ao longo de sua existência. É inconcebível que a Câmara dos Deputados deixe de fazer a sua parte na consolidação institucional da República. O respeito pela Casa não virá de arroubos corporativos de confrontação. E sim do acatamento limpo e sereno de um ato jurídico perfeito.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

MENSALÃO: CONDENADOS ESTÃO PROIBIDOS DE EXERCER MANDATOS


ZERO HORA 17/12/2012 | 15h40

STF decide que deputados condenados no julgamento do mensalão devem perder mandatos
Ministro Celso de Mello desempatou a votação nesta segunda-feira



Os parlamentares condenados na Ação Penal 470, o julgamento do mensalão, estão proibidos de exercer seus mandatos, segundo decisão desta segunda-feira do Supremo Tribunal Federal (STF). Por placar de 5 votos a 4, a Corte entendeu que a decisão de cassar os mandatos não cabe ao Congresso Nacional, pois as casas legislativas só devem ratificar o entendimento do STF. A decisão só deve ser cumprida quando transitar em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos.

Três deputados federais condenados no mensalão serão diretamente afetados: João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), já sinalizou em outras oportunidades que não pretende aderir automaticamente ao entendimento do STF, pois acredita que a Corte não pode deliberar sobre um tema político.

A questão da perda de mandato começou a ser discutida no dia 6 de dezembro. O último debate ocorreu há uma semana, quando o placar estava empatado em 4 votos a 4: metade dos ministros defendia a preponderância da decisão do STF e a outra metade queria que a última palavra fosse do Congresso Nacional.

Último ministro a votar, Celso de Mello ficou doente, o que acabou postergando o desfecho para a sessão desta segunda. O ministro foi internado com infecção nas vias respiratórias na última quarta-feira, e só recebeu alta médica na sexta-feira passada.

Conforme já havia sinalizado em discussões anteriores, o ministro aderiu à tese de que a decisão final sobre perda de mandato é do STF. Para Celso de Mello, não é possível aceitar que um parlamentar com diretos políticos suspensos por condenação criminal continue exercendo mandato.

— A perda do mandato é consequência direta e imediata da suspensão de direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado. Nesses casos, a Câmara dos Deputados procederá meramente declarando o fato conhecido já reconhecido e integrado ao tipo penal condenatório — disse.

O ministro ainda criticou a possibilidade de a Câmara dos Deputados não cumprir a decisão do STF, o que classificou como "intolerável, inaceitável e incompreensível". Ele defendeu a responsabilização penal dos agentes públicos que se negarem a cumprir decisões judiciais, alegando que "qualquer autoridade pública que desrespeita a decisão do Judiciário transgride a ordem constitucional".

No início do voto, Celso de Mello defendeu também que o presidente do STF e relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, seja o responsável pela execução das penas dos réus, sem delegar a função para juízes de instâncias inferiores.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

REMÉDIO AMARGO



FOLHA.COM 13/12/2012 - 03h30

Editorial


Não para de crescer a conta do que se convencionou chamar de judicialização da saúde, a iniciativa de pacientes de acionar o poder público para obter tratamentos que não fazem parte do rol do SUS.

De janeiro a outubro deste ano, o governo federal gastou R$ 339,7 milhões em remédios, equipamentos e insumos para cumprir essas decisões judiciais. Esse valor daria para construir pelo menos dois hospitais de 80 leitos cada um e equivale a 7,5% de tudo que a cidade de São Paulo aplicou em saúde no ano de 2011 (R$ 4,5 bilhões).

Isso representa 28% mais do que o total despendido com as ações na Justiça em todo o ano de 2011. E essa é só a parte da União.

O montante aumentaria significativamente se fossem computados também os valores desembolsados por Estados e municípios. A situação é tão caótica que o valor total não é sequer conhecido.

Não se discute o direito de cidadãos recorrerem à Justiça sempre que acharem necessário. O problema é que o acúmulo de liminares --70% das decisões são desfavoráveis ao governo-- acaba retirando do administrador público a capacidade de definir prioridades e decidir a melhor alocação para um volume limitado de recursos.

O pecado original, aqui, nasce com o artigo 196 da Constituição, que define a saúde como direito de todos e dever do Estado. Em vez de interpretar a passagem --justificativa de todas as ações-- como mero princípio programático, magistrados lhe têm dado força de norma a cumprir, custe o que custar.

É uma visão míope. Orçamentos públicos são finitos, sabem todos, mas as possibilidades de gastar mais com a saúde não conhecem limites: sempre é possível importar uma droga experimental, ou testar uma nova terapia, a preços muitas vezes exorbitantes.

Vale observar que há uma importante assimetria na repartição de tais recursos. Com a judicialização da saúde, tendem a ser beneficiados pacientes que tipicamente necessitam de drogas caras e têm acesso a informação qualificada e a advogados particulares. Perdem, em contrapartida, os doentes pobres que dependem unicamente do SUS.

Por outro lado, não é aconselhável pender para o extremo oposto e confiar exclusivamente às autoridades sanitárias a tarefa de decidir quais tratamentos serão cobertos e quais ficarão de fora. Burocracias são, por natureza, lentas e preferem resolver seus problemas de caixa evitando novos custos.

É preciso criar formas rápidas, de preferência na esfera administrativa, e não na judicial, com controle externo da classe médica, para garantir que novas terapias sejam incorporadas ao SUS tão logo se revelem eficazes e economicamente razoáveis. Embora certa leitura da Constituição insinue o contrário, não existe tratamento grátis.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

JUIZ DEVE MORAR NA COMARCA


FOLHA.COM. Interesse Público, 10/12/12 - 07:41

Frederico Vasconcelos é repórter especial da Folha

CNJ confirma que juiz deve morar na comarca

POR FREDERICO VASCONCELOS

Diante da polêmica provocada sobre o assunto, o Blog reproduz notícia distribuída pela Agência CNJ de Notícias no último dia 27/11.

Eis o noticiário do CNJ sobre a obrigatoriedade de o juiz morar na comarca:

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reafirmou, nesta terça-feira (27/11), ser obrigatório que o magistrado more na comarca em que atua. As autorizações para que juízes residam em outras comarcas são excepcionais e devem ser regulamentadas pelos tribunais, de forma fundamentada. A decisão foi tomada na 159ª sessão plenária, em resposta à consulta formulada pela Associação dos Magistrados de Alagoas ao CNJ.

Por unanimidade, os conselheiros aprovaram a resposta formulada pelo relator da consulta, conselheiro José Guilherme Vasi Werner, que confirmou a obrigatoriedade de juízes morarem nas comarcas onde atuam. A regra, segundo o conselheiro, está prevista tanto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), quanto na própria Constituição Federal. “Não há direito subjetivo do magistrado residir fora da comarca, compete aos tribunais regulamentar a matéria e decidir os pedidos sempre de forma fundamentada, cabendo ao CNJ o controle da legalidade”, afirmou o relator.

Nesse sentido, lembrou Werner em seu voto, a própria Resolução n. 37/2007 do CNJ determina aos tribunais que editem atos normativos para regulamentar as autorizações em casos excepcionais, segundo critérios de conveniência e oportunidade. Na análise dos casos concretos, as Cortes devem ainda analisar se a autorização para o magistrado residir em outra comarca não prejudicará a prestação jurisdicional, conforme reforçou o conselheiro.

sábado, 8 de dezembro de 2012

O STF E A REPÚBLICA



EROS ROBERTO, GRAU, PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA USP, FOI MINISTRO DO STF, EROS ROBERTO, GRAU, PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA USP, FOI MINISTRO DO STF - O Estado de S.Paulo, 08/12/2012


Em entrevista ao Estadão (13/11, H8), José Murilo de Carvalho observa que os oito anos de Lula ficarão marcados em nossa História pelo avanço na inclusão social, o que chama de democracia; mas não se destacará, continua, pelo que chama de República. Como sou cidadão deste país e, por isso, devo respeito e acatamento aos julgamentos do Poder Judiciário, nada posso concluir senão que a res publica foi violada. E de tal sorte que o dano não é compensado pelo avanço.

De mais a mais, sentido crítico bem atilado, esse avanço haveria de vir, em qualquer circunstância, como exigência do processo de legitimação do modo de produção social dominante. Podem dizer que os termos desta conclusão denunciam uma maneira antiga de raciocinar. Não importa que seja velha, se ainda explica o permanente discreto fascínio de quem domina e os interesses que continuam a prevalecer mesmo quando a inclusão social se amplia.

Mais importante é afirmarmos o quanto devemos de respeito e acatamento, enquanto cidadãos, ao Poder Judiciário, em especial, hoje e sempre, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em especial porque o STF, de modo diverso do que andaram a dizer por aí, não surpreendeu por ser independente. Simplesmente foi o que haveria de ser.

Num tempo, como o nosso, em que o Estado ainda é outra face da sociedade civil, o STF nada mais permanece a ser senão uma porção dela. O Estado é uma totalidade indivisível. Não pode ser fissurado em facções, grupos ou poderes. Assim se prestará ao seu fim, que instrumenta ordem, segurança e paz, para o bem do mercado. A separação dos Poderes, enunciada como "lei eterna", oculta o fato de que o Estado, para ser Estado, é e há de ser uma totalidade.

A organização estatal em funções viabiliza, aprimorando-o, seu funcionamento. Aqui e ali há interpenetração delas, mas o Legislativo produz as leis, o Executivo as aplica e o Judiciário nos julga (e a eles também). Todos deveriam vestir um manto de autoridade. Chamo-o assim, manto de autoridade, não porque detenham poderes. Autoridade é algo diferente do poder. É o saber-se o que se deve fazer, serenamente. Os romanos chamavam-na de auctoritas. Por isso - porque os magistrados, para o serem, são os que mais dela necessitam - os cidadãos a eles devem acatamento e respeito. A eles e a seus julgamentos.

Magistrados são para ser respeitados. Lembro episódios notáveis, do tempo em que a discrição era indissociável da pessoa do juiz e as transmissões das sessões de julgamento pela televisão não os havia banalizado. Um processo que viera às manchetes dos jornais, em São Paulo, subira ao Tribunal de Justiça, distribuído a um desembargador. Conta-me seu filho, hoje septuagenário, como eu, que uma sua irmã indagou à mesa do almoço de domingo: "Papai, o que você acha?". O bom juiz respondeu: "Não sei, minha filha, ainda não li os autos". Era assim. Nenhum membro de tribunal insistia no óbvio, justificando-se, pretendendo dar satisfações "ao público", como se ouviu, pela TV Justiça um dia destes.

Juízes de tribunais superiores são indicados pelo Executivo e o Legislativo participa de sua escolha. O juiz prudente, independente, tem para si ter sido indicado para o cargo que ocupe não pelo Sarney, pelo Itamar, pelo FHC ou pelo Lula, com inusitável intimidade, porém, singelamente, pelo presidente da República. Ao tribunal deve chegar sem que a ele tenha sido candidato, sem que faça alarde da própria pureza. Quem a oferece, essa pureza que a palavra enuncia, já a perdeu. Notório saber e reputação ilibada, no caso do Supremo e onde sejam recomendáveis, são para ser conservados durante o exercício do cargo. De reputação ilibada é aquele que, ao caminhar pela rua, merece o olhar respeitoso dos que passam. Apenas. Juízes e ministros de tribunais não são para ser elogiados. Não fazem mais do que a obrigação quando aplicam o direito positivo e a Constituição.

Os juízes não estão lá, nos seus cargos, para produzir equidade. Nem para fazer justiça com as próprias mãos. São servos da Constituição e das leis, servos de um sistema de normas jurídicas que se presta a assegurar um mínimo de calculabilidade e previsibilidade na prática das relações sociais. Precisamente nesse sentido a História avançou, limitando o poder da monarquia patrimonial, para afirmar a instituição do poder legislativo dos Parlamentos. Eis aí uma das tarefas primordiais do Estado moderno: a produção de uma ordem jurídica que garanta certeza e segurança jurídicas. Sem elas não haverá como vivermos em liberdade.

Por isso causa espanto - mais do que espanto, causa temores, apreensão - qualquer reação de desacato, e seja lá de quem for, ao quanto já decidiu, e venha a decidir, o STF no julgamento do chamado "mensalão". E assim seria em qualquer caso, ainda que a res publica não tivesse sido conspurcada, violada.

Nos tempos de menino, quando brincávamos de mocinho e bandido, era razoável que vez e outra mudássemos de torcida. Hoje, não. Se pretendermos viver honestamente, sem agredir os outros, contribuindo para o bem de todos, será indispensável acatarmos, com dignidade, as decisões, quando irrecorríveis, do Poder Judiciário. Não por que façam justiça. Pois é certo que, como dizia Kelsen, a justiça absoluta só pode emanar de uma autoridade transcendente, só pode emanar de Deus; temos de nos contentar, na Terra, com alguma justiça simplesmente relativa, que deve ser vislumbrada em cada ordem jurídica positiva e na situação de paz e segurança por esta mais ou menos assegurada.

Qualquer insurgência contra esta face do Estado que o STF é afronta à ordem e à paz social, prenuncia vocação de autoritarismo, questiona a democracia, desmente-a, pretende golpeá-la. Por isso é necessário afirmarmos, em alto e bom som, o quanto de respeito e acatamento devemos ao Poder Judiciário e em especial, hoje e sempre, ao Supremo Tribunal Federal. Sobretudo porque - repito-o - de modo diverso do que andaram a dizer por aí, o STF não surpreendeu por sua independência. Simplesmente foi o que e como haveria de ser.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

JOAQUIM BARBOSA DERRUBA SUPERSALÁRIOS DO TCM-SP


Joaquim Barbosa derruba supersalários do Tribunal de Contas da cidade de SP. Decisão da Justiça paulista autorizava pagamentos acima do teto para 168 servidores

CAROLINA BRÍGIDO
O GLOBO 4/12/12 - 9h01



Joaquim Barbosa, presidente do STFAILTON DE FREITAS / ARQUIVO O GLOBO


BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, derrubou nesta segunda-feira uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de novembro, que autorizava o pagamento de salários acima do teto constitucional para 168 servidores do Tribunal de Contas do município de São Paulo. Na mesma decisão, o tribunal paulista também havia determinado o pagamento, em parcela única, da diferença acumulada de fevereiro a novembro entre o teto constitucional e o contracheque original dos servidores. As vantagens retroativas somavam prejuízo de R$ 11 milhões aos cofres públicos.

Os servidores do Tribunal de Contas tiveram os salários superiores ao teto do funcionalismo do município, de R$ 24,1 mil, reduzidos em fevereiro, por decisão do presidente do órgão, Edson Simões. Havia contracheques com valores superiores a R$ 50 mil. Simões justificou a decisão na Constituição Federal, que define o teto do funcionalismo, e em lei municipal de 2011 que estabeleceu R$ 24,1 mil como o valor máximo a ser pago a servidores da cidade. O valor corresponde ao salário de prefeito.

Os 168 funcionários que ganhavam acima do teto recorreram ao Tribunal de Justiça, alegando que os salários eram “direito adquirido” e, por isso, o grupo não poderia ter os valores dos contracheques reduzidos. A Justiça deu ganho de causa aos servidores. Mas o Tribunal de Contas recorreu ao STF. Na decisão desta segunda-feira, Joaquim derrubou a autorização até que o plenário do Supremo discuta o mérito da questão. O ministro deu prazo de dez dias para que o tribunal paulista preste informações sobre o caso.

“A medida liminar que ora se concede é precária e não poderá ser invocada para estabilizar expectativas, nem para consolidar situações”, escreveu Joaquim em sua decisão.