quinta-feira, 24 de abril de 2014

CPI EXCLUSIVA DECIDE MINISTRA DO STF


ZERO HORA 24 de abril de 2014 | N° 17773


BATALHA JURÍDICA. 
CPI só sobre Petrobras, decide ministra do STF



A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu ontem à noite, às 22h, que a comissão parlamentar de inquérito (CPI) a ser instalada no Senado deve se limitar à Petrobras. Governistas tentavam ampliar a ação da investigação, incluindo denúncias relativas ao cartel do metrô de São Paulo e às construções do porto de Suape e da refinaria Abreu em Lima – ambos em Pernambuco.

Como a decisão foi tomada em caráter liminar, até que o plenário da Corte julgue a questão, ainda não está claro se a instalação da CPI será apressada ou, ao contrário, poderá se transformar em um batalha jurídica. O senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado, adiantou em seguida que ao menos dois recursos devem ser impetrados – um pela senadora Ana Rita (PT-ES) e outro pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que também seria contrário a uma CPI exclusiva da Petrobras. Até os líderes da oposição, no entanto, têm expectativa de que será preciso esperar pela palavra final do pleno do STF.

– Que bela decisão – reagiu o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes para o site do jornal O Globo. – Ela mandou direto para o pleno do Supremo. É importante que as instituições permaneçam imunes às oscilações dos humores e das preferências políticas dos eleitores. Hoje, somos minoria, mas amanhã tudo pode mudar.

Pré-candidato do PSDB à Presidência, o senador Aécio Neves também foi comedido ao avaliar o alcance da liminar concedidas por Rosa Weber:

– A decisão final será mesmo do pleno do Supremo.

Depois que os oposicionistas conseguiram assinaturas suficientes para criar uma CPI para investigar suspeitas de superfaturamento e de pagamento de comissão, além de outras questões relativas à Petrobras, governistas tentaram incluir outros temas na mesma investigação. Além da Petrobras, queriam apurar suspeitas que envolvem o metrô de São Paulo e as atividades do Porto de Suape, em Pernambuco. Como avaliam que a CPI da Petrobras tem objetivos eleitoreiros, para fragilizar a presidente Dilma Rousseff, querem envolver o PSDB paulista, que apoia o pré-candidato Aécio Neves e outro participante da corrida sucessória, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos.

Calheiros já ressaltou a independência do Congresso

Como a base governista pretendia instalar só a CPI mais ampla, a oposição foi ao STF dizendo que o direito da minoria, de investigar atos do governo através de uma comissão de inquérito, estava sendo desrespeitado. Além disso, oposicionistas alegam que a instalação de uma CPI mais ampla seria uma manobra do governo para tirar o foco da Petrobras e da compra de uma refinaria em Pasadena (EUA) que resultou em prejuízo bilionário para a estatal.

Na semana passada, Rosa Weber pediu informações ao Senado antes de tomar a decisão. O presidente da Casa, Renan Calheiros, defendia uma CPI ampliada, como queria o governo. Na interpretação de Renan, a instalação de uma CPI é assunto interno do Congresso que, segundo ele, não está sujeito ao controle do Judiciário.

sábado, 19 de abril de 2014

CORTE DE NOVA YORK REJEITA RECURSO DE MALUF


ZERO HORA 19 de abril de 2014 | N° 17768


PRISÃO DE MALUF



A Justiça de Nova York rejeitou recurso extraordinário feito pelo deputado federal e ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf (PP-SP) para anular ação que decreta sua prisão e a de seu filho Flávio Maluf. A Justiça americana havia pedido a prisão de Maluf e de seu filho em 2007.

“O recurso extraordinário de proibição não está disponível para as partes, que afirmam que esta ação criminal viola seus direitos estatutários e constitucionais a um julgamento rápido”, diz a decisão divulgada nesta semana. Os dois foram acusados de usar uma agência do Safra National Bank em Nova York para lavar US$ 11,7 milhões.

O dinheiro teria sido desviado das obras de construção da avenida Roberto Marinho quando Maluf era prefeito (1993-1996).

Além do mandado de prisão, a Promotoria de Nova York também incluiu o nome de Maluf e do filho no chamado alerta vermelho na Interpol (a polícia internacional).

Como o Brasil não extradita seus próprios cidadãos, os dois teriam de deixar o país voluntariamente para que fosse cumprido o mandado de prisão.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa de Paulo Maluf disse apenas que ele vai apelar da decisão da Corte americana.

sábado, 5 de abril de 2014

A QUEM CABE A DECISÃO?

REVISTA ISTO É N° Edição: 2315 | 04.Abr.14

Justiça obriga mulher a fazer cesariana sob o argumento de risco para o bebê, e o caso levanta a discussão sobre os limites dos direitos individuais

Wilson Aquino (waquino@istoe.com.br)


Em 2011, a Justiça de Cleveland, nos EUA, tirou um menino obeso, de 8 anos, da guarda da família porque a mãe do garoto não conseguia fazê-lo emagrecer. Em 2013, médicos do Hospital Nossa Senhora da Conceição, de Tubarão (SC), obtiveram da Justiça uma liminar autorizando a transfusão de sangue em um recém-nascido cujos pais eram da religião Testemunhas de Jeová – contra esse recurso da medicina. São inúmeros os casos em que o limite entre o direito de uma pessoa decidir sobre si mesma ou seus dependentes é mudado por força judicial. O episódio mais recente chocou o País: na segunda-feira 31, a Justiça de Torres, no Rio Grande do Sul, determinou que uma grávida fosse submetida a uma cesariana, contra a vontade dela, sob o argumento de que a criança e a mãe corriam risco de morrer caso o parto fosse natural, pois o bebê estava sentado, ela já havia feito duas cesarianas e a gestação chegara às 42 semanas. Afinal, a quem cabe a decisão?


À FORÇA
Adelir com o marido e Yuja no colo:
ela se sentiu “sequestrada” pelos policiais

O caso levanta discussões sobre os limites dos direitos individuais. “Isso é um absurdo. Parto normal ou cesariana é escolha da mãe. Não é nem do pai!”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Carlos Eduardo Guerra. Preocupado com futuras demandas judiciais, o obstetra Jorge Kuhn diz que os médicos estão sendo formados em um modelo que coloca o parto do bebê sentado como impossível de acontecer por via vaginal. “Isso não é verdadeiro. Os profissionais de saúde é que não sabem prestar assistência nesse caso”, afirma ele, que se diz estarrecido.



O Tribunal de Justiça gaúcho explicou, em nota, que a magistrada analisou o relatório de prescrição e evolução da gestação, o boletim de atendimento médico e os demais documentos. Todos teriam atestado a necessidade de intervenção estatal “para o resguardo da vida e integridade física do nascituro”. A doceira Adelir Góes, 29 anos, disse que foi “sequestrada”. “Eram nove policiais armados dizendo que, se eu não fosse por bem, iriam me algemar e me prender. E eu com contrações”, contou à ISTOÉ. A brutalidade com que ela foi tratada remete à violência que uma em cada quatro mulheres relata sofrer durante o parto, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo. Adelir disse ter sido insultada pela médica, que a chamava de “irresponsável”. A menina Yuja Kali nasceu com 3,6 kg e 49 cm e passa bem.

Foto: Erika Carolina/Folhapress

sexta-feira, 4 de abril de 2014

OBJETIVO ERA PRESERVAR MÃE E FILHO



ZERO HORA 04 de abril de 2014 | N° 17753


TAÍS SEIBT | TORRES



DECISÃO JUDICIAL. Objetivo era preservar mãe e filha, diz médico



Na manhã de ontem, a obstetra Joana de Araújo, que realizou a cesariana de Adelir, recebeu a reportagem de Zero Hora em seu consultório, em uma clínica particular de Torres. A médica, no entanto, preferiu não conceder entrevistas e indicou o diretor técnico do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, Marcelo Fagundes, para dar esclarecimentos sobre o caso.

Fagundes destacou que, como plantonistas, as médicas que atenderam Adelir não recebem remuneração por procedimento realizado. Deste modo, segundo ele, o único interesse da equipe em levar o caso para a Promotoria de Justiça era preservar a saúde da mãe e da criança.

– Sentimos que a mãe não tinha compreendido os riscos que estava correndo e fomos procurar apoio – justificou o médico.

Além das questões técnicas apresentadas no laudo para embasar a recomendação da cesariana, Marcelo Fagundes ainda mencionou limitações estruturais que tornavam arriscado atender à vontade da mãe de fazer um parto natural. Entre elas estavam a ausência de uma UTI neonatal na cidade, para o caso de alguma complicação durante o parto.

Corroborou para o caso ser levado à Promotoria de Justiça o fato de o pai não ter acompanhado a primeira consulta, na qual apenas a doula estava presente.

Sobre o fato de o pai ter sido impedido de assistir ao parto, o médico argumenta que ele tem o direito de ver, mas o obstetra pode não permitir a entrada do pai na sala de cirurgia se houver risco ao procedimento.

Segundo Fagundes, como Guimarães estava muito agitado, a equipe entendeu que era melhor ele ficar do lado de fora.


OS ARGUMENTOS PARA A INTERVENÇÃO

O diretor técnico do hospital apresentou cinco argumentos que confirmam a posição fetal podálica (em pé) no caso de Adelir, reforçando a contraindicação do parto normal

- Ecografia de 28 de fevereiro.
- Exame obstétrico de toque realizado pela obstetra Andréia de Castro às 16h do dia 31 de março.
- Ecografia também realizada no dia 31 de março.
- Exame obstétrico de toque realizado pela obstetra Joana de Araújo na madrugada de 1º de abril, quando a gestante foi reconduzida ao hospital.
- Testemunho do anestesista, do pediatra e da técnica de enfermagem, além da própria médica que realizou o parto por cesariana em Adelir.



Após cesárea, Adelir processará hospital

Ao voltar para casa, mãe revela frustração por não ter feito parto normal



Em uma chácara na localidade de Campo Bonito, zona rural de Torres, os irmãos de Yuja Kali esperavam a chegada da bebê no começo da tarde de ontem. A caçula surgiu no colo da mãe, Adelir Lemos de Goes, 29 anos, dormindo, alheia ao alvoroço que se criou em torno da cesariana que a trouxe ao mundo.

De volta para a residência de madeira, revestida com lona – ainda em construção pelo marido, o técnico em manutenção industrial Emerson Guimarães, 41 anos –, Adelir continuava imersa em uma confusão de sentimentos. Após quase três dias hospitalizada e sem ter conseguido amamentar a filha recém-nascida, ela sorria ao ver a pequena dormindo, sob o olhar curioso dos irmãos mais velhos.

Mas, ao recordar os momentos que antecederam o parto, a aparente expressão de alívio dava lugar novamente à revolta e à indignação.

– Não era uma questão de vaidade. Era uma questão de saúde. Eu nunca descartei a cesariana, mas queria que essa fosse a última alternativa – desabafou Adelir.

Na madrugada da última terça-feira, ela foi retirada de casa por policiais e conduzida em uma ambulância até o Hospital Nossa Senhora dos Navegantes. A ação foi realizada em cumprimento a uma ordem judicial expedida horas antes, depois de o hospital pedir a intervenção da Procuradoria de Justiça no caso, já que a mãe havia discordado da recomendação médica de fazer a cesariana.

Na 34ª semana de gestação, casal contratou uma doula

Sentada no pátio, ao lado de um pequeno santuário a Kali – a padroeira dos ciganos homenageada no nome da bebê –, Adelir contou que seus outros dois filhos nasceram de cesariana. Angelo, de sete anos, estava com 39 semanas de gestação quando a obstetra recomendou a cirurgia, e Adelir concordou. Flora, de dois anos, estava com 41 semanas quando Adelir foi ao médico. O diagnóstico foi de que os batimentos cardíacos do feto estavam caindo, mas a gestante não tinha contrações – a saída seria a cesárea. Novamente, ela acatou a prescrição médica.

O que mudou desta vez foi que Adelir procurou se informar mais a fundo sobre o parto natural humanizado. Quando estava na 34ª semana de gestação, encontrou pela internet a doula Stephany Hendz, assistente de parto que a apoiaria física e emocionalmente no parto normal Adelir se preparou para a hora H. Leu livros, viu filmes, participou de grupos de apoio, mas não conseguiu realizar seu desejo.

Além de a cirurgia ter sido feita contra a sua vontade, a mãe demonstra descontentamento com o fato de o pai da menina ter sido impedido de assistir ao parto. Por isso, o casal pretende ingressar com processo contra o hospital.

– Era a última chance que ele (Emerson) tinha de ver um filho nascer, porque agora ele vai fazer uma vasectomia. E eu também não vou mais poder ter outros filhos. Nunca vou ter um parto natural – lamenta Adelir.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Há juízes no Brasil. Há fontes de justiça no Brasil. Esta ação integrada de justiça é digna de elogios, reconhecimento e esperança. Há uma luz no final do túnel na proteção da vida das pessoas. A vida é um bem e um direito da pessoa, mas também é uma prioridade de interesse público onde a finalidade segurança pública é buscada. Quando o MP passa a representar esta pequena vida, atua na proteção da vida das pessoas, da vida em comunidade. Ao receber o amplo apoio do judiciário, renova-se a esperança protetiva das pessoas e da população na construção de uma sociedade em paz, livre, justa e solidária que tanto queremos para o nosso País.

JOGO DE INTERESSES



ZERO HORA 04 de abril de 2014 | N° 17753


EDITORIAIS



Bastou o Supremo Tribunal Federal (STF) sinalizar que votará pelo fim das doações de empresas a campanhas eleitorais para que parlamentares de todos os partidos demonstrassem revolta contra a Corte, alegando que o Judiciário está tentando legislar. A decisão parcial do STF que não deverá valer para a campanha deste ano, pois o julgamento, interrompido agora, ainda não tem data para ser retomado atende a solicitação da Ordem dos Advogados do Brasil no sentido de disciplinar um processo reconhecido como gerador de corrupção. A reação que se espera do parlamento é outra: deputados e senadores já deveriam ter implementado uma reforma política adequada às necessidades da democracia brasileira, o que tornaria desnecessária a interferência do Judiciário.

Infelizmente, a intenção do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), é de levar ao plenário, na segunda quinzena de maio, uma proposta de reforma política que colocará na Constituição a possibilidade de doação por empresas. A intenção contraria a proposta da OAB, que defende a inconstitucionalidade desse tipo de financiamento. A instituição pede também que um valor máximo, e não mais um percentual sobre a renda, deve ser definido para doações feitas por pessoas físicas a partidos ou candidatos. Na hipótese de voltar atrás na tendência delineada até agora, de rejeição às doações de empresas, ou de o Congresso assegurá-las na Constituição, o certo é que as campanhas deverão ficar cada vez mais caras e a margem para corrupção será maior. Justamente o que os brasileiros, majoritariamente, não se mostram mais dispostos a admitir.

Na última eleição presidencial, cerca de 98% das receitas das campanhas de Dilma Rousseff (PT) e de José Serra (PSDB) tiveram origem em doações de empresas. Das eleições de 2002 para as de 2010, os gastos totais com os candidatos que foram à rua pedir voto aumentaram 600%. Alguém seria capaz de acreditar que quantidades tão expressivas de dinheiro, sem contar as liberadas via caixa 2, se devem à preocupação de contribuir para o aprimoramento da democracia? Basta conferir apenas os maiores doadores para concluir que, em sua maioria, os financiadores de políticos têm interesse direto em candidatos com maior potencial para devolver o investimento, depois de eleitos, sob a forma de vantagens de todo tipo, incluindo favorecimento em contratos.

É natural que os brasileiros, já submetidos a uma carga tão grande de contribuições para o poder público, resistam em contribuir para políticos. Ainda assim, o veto às contribuições de pessoas jurídicas precisa ser visto como um primeiro passo para a moralização das campanhas políticas, desde que associado a uma fiscalização rigorosa.

O CASO DAS MÉDICAS

ZERO HORA 04 de abril de 2014 | N° 17753


ARTIGOS


por Mauro Eduardo Vichnevetsky Aspis*




Muito tem sido discutido sobre o caso das duas obstetras de Torres que, diante da resistência de uma gestante em fazer uma cesariana, buscaram amparo na Justiça para proteger a mãe e o nascituro.

Por incrível que pareça, a atitude dessas médicas tem sido mais criticada do que elogiada, haja vista que para muitos foi negado o direito de escolha da mãe/gestante em realizar o parto da forma natural como pretendia.

O Código de Ética Médica é ambíguo neste sentido, pois enquanto alega que é direito do médico “indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no país”, em inciso posterior diz que é vedado ao médico “deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo”.

Assim, a questão da liberdade de escolha dessa gestante passa a ser o núcleo de uma discussão ética.

Em que pese à liberdade ser juridicamente assegurada a todos os indivíduos, não pode ela ser aceita de maneira irresponsável. No momento em que a liberdade começa a conflitar-se com a liberdade de outros, começam as suas restrições. A nossa liberdade só existe enquanto ela age em harmonia com o nosso meio social, fora desse contexto, ela pode ser abusiva.

No nosso meio jurídico, a vida, o viver, não é apenas um direito, mas um dever que só pode ser interrompido pelo fatalismo das leis biológicas, como ensina o ilustre jurista Genival Veloso de França.

O que o Estado nos garante não é a liberdade natural de o ser humano poder fazer o que quer, mas, sim, a liberdade jurídica, a qual assegura ao indivíduo o exercício da própria vontade dentro de um limite permitido por lei, ou seja, uma liberdade responsável.

No caso das obstetras que previram o risco de um parto natural e aconselharam a cesariana, elas agiram baseadas na garantia legal do Estado de necessidade de terceiro, no qual sacrifica-se um bem, a liberdade, para salvar outro de maior interesse e significado, que é a vida do feto, da qual não podemos dispor.

Contudo, referidas médicas foram mais diligentes ainda, elas optaram por ter o aval da Justiça para poderem fazer aquilo que lhes parecia correto, e a Justiça lhes concedeu esse direito. Desta maneira, a realização da cesariana (garantida por decisão judicial) foi uma atitude correta diante de todos os riscos que corriam o feto e a gestante, estando as profissionais de parabéns pela postura e preocupação, tão raras hoje em dia, principalmente em hospitais públicos.

O Estatuto do Nascituro que está para entrar em vigor, em seu artigo 12, reza que “é vedado ao Estado e aos particulares causar qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores”, como também, em seu artigo 4º, diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Desta forma, a conduta das médicas, bem como da juíza que deferiu o pedido liminar de realização do parto através de cesariana, está protegida pela ética médica, pela moral, pela legislação pátria, haja vista que o direito à vida é indisponível e que, na ameaça de um risco, esta deve ser sempre a nossa prioridade.




*ADVOGADO E CONSULTOR, ESPECIALISTA EM DIREITO MÉDICO

quinta-feira, 3 de abril de 2014

JUSTIÇA OBRIGA GESTANTE A FAZER CESÁRIA




ZERO HORA 03 de abril de 2014 | N° 17752

TAÍS SEIBT | TORRES

DISCUSSÃO SOBRE A CESARIA. Debate à luz de um parto



O caso de uma gestante obrigada a realizar uma cesariana após decisão tomada pela Justiça, em Torres, levanta o debate sobre até onde vai o direito de a mulher definir a forma como terá o filho, com cirurgia ou de forma natural

Ouvir o choro da filha recém-nascida ecoar pelo corredor do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres, foi um alívio para o técnico em manutenção industrial Emerson Guimarães, 41 anos. Mas o parto, uma cesariana realizada contra a vontade da família, também não deixou de ser uma frustração.

Sem dúvida, o nascimento de Yuja Kali – nome escolhido pelos pais em homenagem à padroeira dos ciganos – provocou um debate sobre os direitos de escolha da mãe sobre o tipo de parto que deseja e o direito do feto à própria vida.

Grávida de 42 semanas, com duas cesarianas e um aborto no histórico, Adelir Lemos de Goes, 29 anos, pretendia manter até o fim a decisão de ter um parto normal. Meses antes, havia procurado uma doula pela internet. Encontrou na catarinense Stephany Hendz, 20 anos, o amparo para conduzir a gestação até o parto natural. Não havia razões filosóficas ou religiosas envolvidas, de acordo com o pai da menina, apenas um desejo da mãe pelo parto natural.

Na madrugada de terça-feira, um mandado judicial colocou fim ao desejo de Adelir. Na tarde anterior, ela havia buscado atendimento no Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, por conta de dores lombares. A médica do plantão recomendou uma cesariana. Acompanhada da doula, Adelir contrariou a recomendação e voltou para casa, na localidade de Campo Bonito, zona rural de Torres. Mais tarde, foi reconduzida ao hospital contra sua vontade, para fazer a cesariana. A família chegou a pedir aos paramédicos para ser conduzida a Araranguá, em Santa Catarina, na esperança de que lá a vontade da mãe fosse acolhida, mas a ambulância parou no hospital de Torres.

– Minha mulher não teve o direito de escolher como minha filha ia nascer, e eu ainda fui impedido de assistir ao parto, que eu tanto queria – lamenta o pai da criança, Emerson Guimarães.

O promotor de Justiça Octavio Noronha, com base no laudo médico apresentado pelo hospital, indicando os riscos do parto normal à mãe e ao bebê, ingressou com pedido de medida protetiva à saúde da criança, após ser procurado pelo hospital. A juíza Liniane Maria Mog da Silva acolheu a decisão.

O que mais indignou a doula Stephany, que, assim como o pai da menina, passou a tarde toda de ontem dando entrevistas sobre o caso, é que a médica não teria mostrado imagens da ecografia, o que confirmaria a posição do feto, questionada pela acompanhante.

– Nós sentimos a cabeça do bebê encaixada, ouvimos os batimentos do coração na lateral da barriga. Como que a criança estava em pé? – questionava, vestindo uma camiseta em defesa do parto natural em casa.

Doula pretende processar hospital

A doula pretende processar o hospital e denunciar a obstetra ao Conselho Regional de Medicina. O processo que gerou a medida protetiva será instruído pela Vara da Infância e da Juventude em Torres, que poderá ouvir testemunhas para confirmar se a recomendação da cesariana era mesmo necessária no caso e obter maiores detalhes em torno da situação.

Roberta Baggio, professora de ética na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que, se a criança estiver de fato em risco, o Ministério Público tem o direito de zelar por ela, mas alerta para a falta de maior embasamento quanto às provas para justificar a decisão:

– Se de fato for comprovado que a criança não corria riscos, a intervenção foi irresponsável, e é possível pedir indenização ao hospital.

Em vídeo gravado pelo marido, no começo da tarde de ontem, a mãe dava sinais de frustração.

– Se tivesse um parto natural, eu já estaria em casa, com minha outra filhinha, e o leite já teria descido. Até agora não consegui amamentar minha filha – relata Adelir.

Enquanto as duas não recebem alta, Guimarães se desdobra em casa para dar conta dos três filhos e um enteado. A mais nova, Flora é filha do casal, tem dois anos. Leandro, de 15 anos, é filho de Guimarães do primeiro casamento. Angelo, sete anos, é filho de Adelir, também de união anterior. A família vive em Torres há três anos e deve estar finalmente completa na tarde de hoje. Só não será completa a alegria.


O que diz o laudo

Zero Hora teve acesso ao conteúdo do laudo por meio da juíza Liniane Maria Mog da Silva. A reprodução da íntegra das páginas não pode ser feita por se tratar de processo da Vara da Infância e da Juventude, portanto protegido por segredo de Justiça.

O laudo tem por base um exame chamado US obstétrica com perfil biofísico fetal. Está citada no documento a solicitação de uma ecografia no dia 31 de março, mas os resultados do exame não foram anexados ao relatório, apenas o parecer médico.

Textualmente, as obstetras Andreia Castro e Joana de Araújo atestam que se tratava de “feto único em situação podálica e dorso à direita”, ou seja, na posição inversa à ideal para o parto normal. O documento menciona ainda “prolapso do cordão umbilical”, o que poderia causar asfixia do bebê, e “cabeça derradeira”, termo técnico também relacionado à posição. Há, ainda, menção a risco de ruptura uterina em razão de cicatrizes de outras duas cesarianas realizadas antes pela gestante.

Um outro tipo de auxílio no parto natural

Com função reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, a doula é a acompanhante de parto profissional. Responsável pelo conforto físico e emocional da gestante no período entre o pré-parto e o pós-parto, ela auxilia a mulher durante o nascimento do bebê. Conforme pesquisas, a supervisão de uma doula garante maior tranquilidade e rapidez, além de menos dor e complicações para o bebê e a mãe.


Divergência entre os especialistas

HELOISA ARUTH STURM

A decisão judicial que obrigou uma mulher a se submeter a uma cesárea contra sua vontade reacendeu o debate sobre a humanização do parto e os direitos da mãe e do bebê. A alegação médica de que o quadro gestacional indicava riscos de morte aos dois foi criticada por alguns especialistas e gerou uma discussão sobre os limites entre a proteção à criança e a vontade da mãe.

Caio Coelho Marques, presidente do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital São Lucas, da PUCRS, recorre aos quatro pilares da bioética – não maleficência, beneficência, autonomia e justiça social – para dizer que, em caso de risco ao feto, o mais importante é não causar mal ao bebê, e isso se impõe inclusive sobre a vontade da mãe.

– Se deixasse entrar em trabalho de parto nessa situação poderia causar um mal maior. – afirma Marques.

Segundo o obstetra Valentino Magno, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a conduta padrão é que, se o paciente decide ir embora contrariando a decisão médica, o caso é considerado fuga hospitalar, e o corpo clínico não intervém. Porém, ele acredita que a atitude da médica tenha sido tomada porque a mãe da criança não tinha consciência da dimensão dos riscos, e estava acompanhada por uma doula que não tinha formação médica.

– Há o direito de a paciente ganhar o bebê em casa? Sim. Mas aí tem de ter certeza de que a paciente sabe dos riscos que ela está correndo.

Para a médica Simone Diniz, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP e especialista em saúde materno-infantil, mesmo os indicativos como cesáreas anteriores e o fato de o bebê estar em posição pélvica não são determinantes para que uma nova cesárea seja feita. Ela afirma que outros países adotam técnicas no parto normal para se minimizar riscos nestes casos– procedimentos-padrão adotados em hospitais brasileiros durante o parto normal:

– A prática obstétrica brasileira é agressiva e obsoleta no parto vaginal, com procedimentos arriscados, para obrigar todo mundo a fazer cesárea. Temos no país uma noção fundamentalista com relação à cesárea, que não tem a ver com evidência científica.

A decisão judicial foi criticada por juristas. No pedido feito pelo MP não foi incluída a ecografia, apenas a solicitação do exame e o laudo técnico da médica que solicitou a intervenção, baseado em um procedimento chamado perfil biofísico fetal, que pode ser feito em qualquer estágio da gravidez mas geralmente ocorre na 24ª semana de gestação, quando o bebê está na posição pélvica. A advogada Priscila Cavalcanti, especialista no atendimento a mulheres vítimas de violência obstétrica, diz que a decisão da Justiça abre um precedente perigoso, já que, neste caso, depois de cumprida a liminar, não há como se voltar ao estado anterior, mesmo que se comprove que quem fez o pedido estava errado.






COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Neste caso, a justiça agiu no interesse público onde a vida de uma pessoa é prioridade e finalidade. Parabéns ao judiciário e ao MP. Esta é a justiça que o Brasil quer, coativa e comprometida com a vida das pessoas.