segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

ELE DEU UM GOLPE NA IMPUNIDADE


ZERO HORA 31/12/2012 e 01/01/2013 | N° 17299

JOAQUIM BARBOSA

Se tivesse chegado ao topo da carreira como procurador da República, Joaquim Benedito Barbosa Gomes já teria cumprido uma trajetória de exceção, como filho de um pedreiro e de uma dona de casa. Se tivesse completado sua performance como operador do Direito na condição de ministro do Supremo Tribunal Federal, teria sido uma figura ímpar do Judiciário brasileiro. E se a sua maior façanha, na sequência, fosse a ascensão como primeiro negro na presidência da mais alta Corte do país, seu currículo seria inigualável. Joaquim Barbosa é, no entanto, bem mais do que o caso raro e edificante de superação de um mineiro pobre que chegou aonde poucos conseguem pela capacidade de perseverar.

O relator do mais rumoroso caso julgado pelo STF enfrentou desconfianças e reações do poder político, para enfim reabilitar a imagem da Justiça e confortar a sociedade com a certeza de que figurões da República não mais terão a proteção da impunidade. O feito do juiz do mensalão para o país tem a grandeza das suas proezas pessoais. Foram quatro meses e meio de um julgamento em que o relator fez prevalecer, junto à maioria dos ministros, a argumentação de que o esquema montado pelo governo, para compra de votos no Congresso, de fato existiu. Foi pela atuação vigorosa de Joaquim Barbosa que 25 dos 37 réus acabaram sendo condenados, depois de 138 dias de julgamento.

É um equívoco, na simplificação da sua importância como relator do mensalão, apontá-lo como um herói justiceiro do Brasil. Os ministros do Supremo não têm a atribuição de aplacar iras ou fazer linchamentos. Apesar de criticado em alguns momentos, por ser considerado impositivo e refratário a questionamentos, Joaquim Barbosa deixou como sua marca, durante o julgamento, a correção e a altivez. Os réus, seus advogados e militantes partidários fizeram várias tentativas para depreciá-lo, especialmente depois das condenações, com argumentos que extrapolaram a controvérsia sempre presente nas decisões da Justiça.

Foi assim que o ministro e seus colegas chegaram a ser apontados como influenciáveis pelo que se definia genericamente como mídia conservadora, em conluio com interesses políticos contrariados. Joaquim Barbosa foi, na verdade, cúmplice da maioria que esperava e teve uma resposta categórica do Judiciário à afronta de graves delitos políticos. O agora presidente do Supremo passa a ser uma referência histórica para o país, por sua conduta como julgador independente e como cidadão exemplar.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

UM ATO JURÍDICO PERFEITO


O Estado de S.Paulo 19 de dezembro de 2012 | 2h 06

OPINIÃO


Em algum momento de 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) oficiará à Mesa da Câmara dos Deputados para que dê curso à decisão da Corte, tomada na segunda-feira, ao término do julgamento do mensalão, de cassar os mandatos dos parlamentares João Paulo Cunha (PT), Pedro Henry (PP) e Valdemar Costa Neto (PR). A decisão alcançará o suplente José Genoino, também do PT, quando assumir. Todos foram condenados por sua participação no escândalo. Àquela altura, depois da publicação do acórdão, resumindo o caso que consumiu 53 sessões plenárias e do exame, em seguida, dos embargos que vierem a ser apresentados pelos defensores dos 25 réus inculpados, o histórico processo chegará efetivamente ao fim, iniciando-se o cumprimento das sentenças.



Bem antes, o atual presidente da Câmara, o petista Marco Maia, terá sido sucedido, ao que tudo indica, pelo peemedebista Eduardo Alves, conforme o revezamento acertado entre os respectivos partidos, os principais da Casa. É de esperar que este não imite o antecessor na contestação politicamente motivada de um ato de incontestável legitimidade do mais alto tribunal do País ao qual a Constituição atribuiu a prerrogativa e o dever de dar a última palavra sobre a aplicação do seu texto. Numa interpretação no mínimo equivocada do mandamento constitucional, ele acusa o Supremo de "interferir" na autonomia do Legislativo, ao determinar que os citados parlamentares sejam destituídos de seus mandatos em consequência das penas recebidas, que acarretam a suspensão automática dos direitos políticos dos condenados.

Maia entende que a cassação, para se consumar, dependeria da concordância da maioria absoluta do plenário, em escrutínio secreto. Não é verdade. Como explicou o ministro Celso de Mello, decano do STF, no seu voto decisivo, a condenação de um parlamentar a mais de quatro anos de prisão produz efeitos incontornáveis. "Não se pode vislumbrar o exercício de mandato parlamentar", sustentou, "por aquele cujos direitos políticos estão suspensos." É fato que, em certas circunstâncias, a Constituição confere à Câmara ou ao Senado a prerrogativa de decidir o destino daquele de seus membros passível de perder a cadeira. Por exemplo, quando sofre condenação criminal, conservando porém os seus direitos políticos - o que faz todo sentido. A Carta deliberadamente deixou de incluir entre as hipóteses de votação casos de perda ou suspensão desses direitos. A omissão, além de lógica, é eloquente.

Bastaria o mero bom senso para caracterizar a situação aberrante de um político preso com o mandato preservado. Em regime fechado, simplesmente não poderia exercê-lo. Em regime prisional semiaberto, como o que tocará ao ex-presidente do PT José Genoino, seria surrealista - e desmoralizante para o Congresso - ele ter de deixar o recinto, a cada sessão, para se recolher ao estabelecimento penal em que deverá pernoitar. Argumenta-se que, apaziguada com a ratificação de sua autonomia, a Câmara acabaria cassando ela própria os mensaleiros. Mas a questão de fundo é outra - a da inviolabilidade do poder decisório do Supremo em matéria constitucional, base do Estado Democrático de Direito brasileiro. Tampouco se pode invocar que as cassações foram aprovadas por um único voto de diferença (5 a 4). Aliás, não tivesse o então ministro Cezar Peluso que se aposentar, a margem seria de 2 votos, a julgar pela única sentença que proferiu, condenando o deputado João Paulo Cunha e privando-o do mandato.

Enquanto a decisão não for revista, se é que isso ocorrerá, no exame dos chamados embargos infringentes que serão interpostos pelos advogados dos réus, ela representa a voz do Supremo - de todo coerente com os veredictos que devolveram a confiança da população na capacidade do Judiciário de punir exemplarmente a corrupção nos círculos dirigentes do País. E isso no âmbito da mais complexa ação penal que o STF já teve de destrinchar ao longo de sua existência. É inconcebível que a Câmara dos Deputados deixe de fazer a sua parte na consolidação institucional da República. O respeito pela Casa não virá de arroubos corporativos de confrontação. E sim do acatamento limpo e sereno de um ato jurídico perfeito.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

MENSALÃO: CONDENADOS ESTÃO PROIBIDOS DE EXERCER MANDATOS


ZERO HORA 17/12/2012 | 15h40

STF decide que deputados condenados no julgamento do mensalão devem perder mandatos
Ministro Celso de Mello desempatou a votação nesta segunda-feira



Os parlamentares condenados na Ação Penal 470, o julgamento do mensalão, estão proibidos de exercer seus mandatos, segundo decisão desta segunda-feira do Supremo Tribunal Federal (STF). Por placar de 5 votos a 4, a Corte entendeu que a decisão de cassar os mandatos não cabe ao Congresso Nacional, pois as casas legislativas só devem ratificar o entendimento do STF. A decisão só deve ser cumprida quando transitar em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos.

Três deputados federais condenados no mensalão serão diretamente afetados: João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), já sinalizou em outras oportunidades que não pretende aderir automaticamente ao entendimento do STF, pois acredita que a Corte não pode deliberar sobre um tema político.

A questão da perda de mandato começou a ser discutida no dia 6 de dezembro. O último debate ocorreu há uma semana, quando o placar estava empatado em 4 votos a 4: metade dos ministros defendia a preponderância da decisão do STF e a outra metade queria que a última palavra fosse do Congresso Nacional.

Último ministro a votar, Celso de Mello ficou doente, o que acabou postergando o desfecho para a sessão desta segunda. O ministro foi internado com infecção nas vias respiratórias na última quarta-feira, e só recebeu alta médica na sexta-feira passada.

Conforme já havia sinalizado em discussões anteriores, o ministro aderiu à tese de que a decisão final sobre perda de mandato é do STF. Para Celso de Mello, não é possível aceitar que um parlamentar com diretos políticos suspensos por condenação criminal continue exercendo mandato.

— A perda do mandato é consequência direta e imediata da suspensão de direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado. Nesses casos, a Câmara dos Deputados procederá meramente declarando o fato conhecido já reconhecido e integrado ao tipo penal condenatório — disse.

O ministro ainda criticou a possibilidade de a Câmara dos Deputados não cumprir a decisão do STF, o que classificou como "intolerável, inaceitável e incompreensível". Ele defendeu a responsabilização penal dos agentes públicos que se negarem a cumprir decisões judiciais, alegando que "qualquer autoridade pública que desrespeita a decisão do Judiciário transgride a ordem constitucional".

No início do voto, Celso de Mello defendeu também que o presidente do STF e relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, seja o responsável pela execução das penas dos réus, sem delegar a função para juízes de instâncias inferiores.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

REMÉDIO AMARGO



FOLHA.COM 13/12/2012 - 03h30

Editorial


Não para de crescer a conta do que se convencionou chamar de judicialização da saúde, a iniciativa de pacientes de acionar o poder público para obter tratamentos que não fazem parte do rol do SUS.

De janeiro a outubro deste ano, o governo federal gastou R$ 339,7 milhões em remédios, equipamentos e insumos para cumprir essas decisões judiciais. Esse valor daria para construir pelo menos dois hospitais de 80 leitos cada um e equivale a 7,5% de tudo que a cidade de São Paulo aplicou em saúde no ano de 2011 (R$ 4,5 bilhões).

Isso representa 28% mais do que o total despendido com as ações na Justiça em todo o ano de 2011. E essa é só a parte da União.

O montante aumentaria significativamente se fossem computados também os valores desembolsados por Estados e municípios. A situação é tão caótica que o valor total não é sequer conhecido.

Não se discute o direito de cidadãos recorrerem à Justiça sempre que acharem necessário. O problema é que o acúmulo de liminares --70% das decisões são desfavoráveis ao governo-- acaba retirando do administrador público a capacidade de definir prioridades e decidir a melhor alocação para um volume limitado de recursos.

O pecado original, aqui, nasce com o artigo 196 da Constituição, que define a saúde como direito de todos e dever do Estado. Em vez de interpretar a passagem --justificativa de todas as ações-- como mero princípio programático, magistrados lhe têm dado força de norma a cumprir, custe o que custar.

É uma visão míope. Orçamentos públicos são finitos, sabem todos, mas as possibilidades de gastar mais com a saúde não conhecem limites: sempre é possível importar uma droga experimental, ou testar uma nova terapia, a preços muitas vezes exorbitantes.

Vale observar que há uma importante assimetria na repartição de tais recursos. Com a judicialização da saúde, tendem a ser beneficiados pacientes que tipicamente necessitam de drogas caras e têm acesso a informação qualificada e a advogados particulares. Perdem, em contrapartida, os doentes pobres que dependem unicamente do SUS.

Por outro lado, não é aconselhável pender para o extremo oposto e confiar exclusivamente às autoridades sanitárias a tarefa de decidir quais tratamentos serão cobertos e quais ficarão de fora. Burocracias são, por natureza, lentas e preferem resolver seus problemas de caixa evitando novos custos.

É preciso criar formas rápidas, de preferência na esfera administrativa, e não na judicial, com controle externo da classe médica, para garantir que novas terapias sejam incorporadas ao SUS tão logo se revelem eficazes e economicamente razoáveis. Embora certa leitura da Constituição insinue o contrário, não existe tratamento grátis.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

JUIZ DEVE MORAR NA COMARCA


FOLHA.COM. Interesse Público, 10/12/12 - 07:41

Frederico Vasconcelos é repórter especial da Folha

CNJ confirma que juiz deve morar na comarca

POR FREDERICO VASCONCELOS

Diante da polêmica provocada sobre o assunto, o Blog reproduz notícia distribuída pela Agência CNJ de Notícias no último dia 27/11.

Eis o noticiário do CNJ sobre a obrigatoriedade de o juiz morar na comarca:

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reafirmou, nesta terça-feira (27/11), ser obrigatório que o magistrado more na comarca em que atua. As autorizações para que juízes residam em outras comarcas são excepcionais e devem ser regulamentadas pelos tribunais, de forma fundamentada. A decisão foi tomada na 159ª sessão plenária, em resposta à consulta formulada pela Associação dos Magistrados de Alagoas ao CNJ.

Por unanimidade, os conselheiros aprovaram a resposta formulada pelo relator da consulta, conselheiro José Guilherme Vasi Werner, que confirmou a obrigatoriedade de juízes morarem nas comarcas onde atuam. A regra, segundo o conselheiro, está prevista tanto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), quanto na própria Constituição Federal. “Não há direito subjetivo do magistrado residir fora da comarca, compete aos tribunais regulamentar a matéria e decidir os pedidos sempre de forma fundamentada, cabendo ao CNJ o controle da legalidade”, afirmou o relator.

Nesse sentido, lembrou Werner em seu voto, a própria Resolução n. 37/2007 do CNJ determina aos tribunais que editem atos normativos para regulamentar as autorizações em casos excepcionais, segundo critérios de conveniência e oportunidade. Na análise dos casos concretos, as Cortes devem ainda analisar se a autorização para o magistrado residir em outra comarca não prejudicará a prestação jurisdicional, conforme reforçou o conselheiro.

sábado, 8 de dezembro de 2012

O STF E A REPÚBLICA



EROS ROBERTO, GRAU, PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA USP, FOI MINISTRO DO STF, EROS ROBERTO, GRAU, PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA USP, FOI MINISTRO DO STF - O Estado de S.Paulo, 08/12/2012


Em entrevista ao Estadão (13/11, H8), José Murilo de Carvalho observa que os oito anos de Lula ficarão marcados em nossa História pelo avanço na inclusão social, o que chama de democracia; mas não se destacará, continua, pelo que chama de República. Como sou cidadão deste país e, por isso, devo respeito e acatamento aos julgamentos do Poder Judiciário, nada posso concluir senão que a res publica foi violada. E de tal sorte que o dano não é compensado pelo avanço.

De mais a mais, sentido crítico bem atilado, esse avanço haveria de vir, em qualquer circunstância, como exigência do processo de legitimação do modo de produção social dominante. Podem dizer que os termos desta conclusão denunciam uma maneira antiga de raciocinar. Não importa que seja velha, se ainda explica o permanente discreto fascínio de quem domina e os interesses que continuam a prevalecer mesmo quando a inclusão social se amplia.

Mais importante é afirmarmos o quanto devemos de respeito e acatamento, enquanto cidadãos, ao Poder Judiciário, em especial, hoje e sempre, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em especial porque o STF, de modo diverso do que andaram a dizer por aí, não surpreendeu por ser independente. Simplesmente foi o que haveria de ser.

Num tempo, como o nosso, em que o Estado ainda é outra face da sociedade civil, o STF nada mais permanece a ser senão uma porção dela. O Estado é uma totalidade indivisível. Não pode ser fissurado em facções, grupos ou poderes. Assim se prestará ao seu fim, que instrumenta ordem, segurança e paz, para o bem do mercado. A separação dos Poderes, enunciada como "lei eterna", oculta o fato de que o Estado, para ser Estado, é e há de ser uma totalidade.

A organização estatal em funções viabiliza, aprimorando-o, seu funcionamento. Aqui e ali há interpenetração delas, mas o Legislativo produz as leis, o Executivo as aplica e o Judiciário nos julga (e a eles também). Todos deveriam vestir um manto de autoridade. Chamo-o assim, manto de autoridade, não porque detenham poderes. Autoridade é algo diferente do poder. É o saber-se o que se deve fazer, serenamente. Os romanos chamavam-na de auctoritas. Por isso - porque os magistrados, para o serem, são os que mais dela necessitam - os cidadãos a eles devem acatamento e respeito. A eles e a seus julgamentos.

Magistrados são para ser respeitados. Lembro episódios notáveis, do tempo em que a discrição era indissociável da pessoa do juiz e as transmissões das sessões de julgamento pela televisão não os havia banalizado. Um processo que viera às manchetes dos jornais, em São Paulo, subira ao Tribunal de Justiça, distribuído a um desembargador. Conta-me seu filho, hoje septuagenário, como eu, que uma sua irmã indagou à mesa do almoço de domingo: "Papai, o que você acha?". O bom juiz respondeu: "Não sei, minha filha, ainda não li os autos". Era assim. Nenhum membro de tribunal insistia no óbvio, justificando-se, pretendendo dar satisfações "ao público", como se ouviu, pela TV Justiça um dia destes.

Juízes de tribunais superiores são indicados pelo Executivo e o Legislativo participa de sua escolha. O juiz prudente, independente, tem para si ter sido indicado para o cargo que ocupe não pelo Sarney, pelo Itamar, pelo FHC ou pelo Lula, com inusitável intimidade, porém, singelamente, pelo presidente da República. Ao tribunal deve chegar sem que a ele tenha sido candidato, sem que faça alarde da própria pureza. Quem a oferece, essa pureza que a palavra enuncia, já a perdeu. Notório saber e reputação ilibada, no caso do Supremo e onde sejam recomendáveis, são para ser conservados durante o exercício do cargo. De reputação ilibada é aquele que, ao caminhar pela rua, merece o olhar respeitoso dos que passam. Apenas. Juízes e ministros de tribunais não são para ser elogiados. Não fazem mais do que a obrigação quando aplicam o direito positivo e a Constituição.

Os juízes não estão lá, nos seus cargos, para produzir equidade. Nem para fazer justiça com as próprias mãos. São servos da Constituição e das leis, servos de um sistema de normas jurídicas que se presta a assegurar um mínimo de calculabilidade e previsibilidade na prática das relações sociais. Precisamente nesse sentido a História avançou, limitando o poder da monarquia patrimonial, para afirmar a instituição do poder legislativo dos Parlamentos. Eis aí uma das tarefas primordiais do Estado moderno: a produção de uma ordem jurídica que garanta certeza e segurança jurídicas. Sem elas não haverá como vivermos em liberdade.

Por isso causa espanto - mais do que espanto, causa temores, apreensão - qualquer reação de desacato, e seja lá de quem for, ao quanto já decidiu, e venha a decidir, o STF no julgamento do chamado "mensalão". E assim seria em qualquer caso, ainda que a res publica não tivesse sido conspurcada, violada.

Nos tempos de menino, quando brincávamos de mocinho e bandido, era razoável que vez e outra mudássemos de torcida. Hoje, não. Se pretendermos viver honestamente, sem agredir os outros, contribuindo para o bem de todos, será indispensável acatarmos, com dignidade, as decisões, quando irrecorríveis, do Poder Judiciário. Não por que façam justiça. Pois é certo que, como dizia Kelsen, a justiça absoluta só pode emanar de uma autoridade transcendente, só pode emanar de Deus; temos de nos contentar, na Terra, com alguma justiça simplesmente relativa, que deve ser vislumbrada em cada ordem jurídica positiva e na situação de paz e segurança por esta mais ou menos assegurada.

Qualquer insurgência contra esta face do Estado que o STF é afronta à ordem e à paz social, prenuncia vocação de autoritarismo, questiona a democracia, desmente-a, pretende golpeá-la. Por isso é necessário afirmarmos, em alto e bom som, o quanto de respeito e acatamento devemos ao Poder Judiciário e em especial, hoje e sempre, ao Supremo Tribunal Federal. Sobretudo porque - repito-o - de modo diverso do que andaram a dizer por aí, o STF não surpreendeu por sua independência. Simplesmente foi o que e como haveria de ser.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

JOAQUIM BARBOSA DERRUBA SUPERSALÁRIOS DO TCM-SP


Joaquim Barbosa derruba supersalários do Tribunal de Contas da cidade de SP. Decisão da Justiça paulista autorizava pagamentos acima do teto para 168 servidores

CAROLINA BRÍGIDO
O GLOBO 4/12/12 - 9h01



Joaquim Barbosa, presidente do STFAILTON DE FREITAS / ARQUIVO O GLOBO


BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, derrubou nesta segunda-feira uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de novembro, que autorizava o pagamento de salários acima do teto constitucional para 168 servidores do Tribunal de Contas do município de São Paulo. Na mesma decisão, o tribunal paulista também havia determinado o pagamento, em parcela única, da diferença acumulada de fevereiro a novembro entre o teto constitucional e o contracheque original dos servidores. As vantagens retroativas somavam prejuízo de R$ 11 milhões aos cofres públicos.

Os servidores do Tribunal de Contas tiveram os salários superiores ao teto do funcionalismo do município, de R$ 24,1 mil, reduzidos em fevereiro, por decisão do presidente do órgão, Edson Simões. Havia contracheques com valores superiores a R$ 50 mil. Simões justificou a decisão na Constituição Federal, que define o teto do funcionalismo, e em lei municipal de 2011 que estabeleceu R$ 24,1 mil como o valor máximo a ser pago a servidores da cidade. O valor corresponde ao salário de prefeito.

Os 168 funcionários que ganhavam acima do teto recorreram ao Tribunal de Justiça, alegando que os salários eram “direito adquirido” e, por isso, o grupo não poderia ter os valores dos contracheques reduzidos. A Justiça deu ganho de causa aos servidores. Mas o Tribunal de Contas recorreu ao STF. Na decisão desta segunda-feira, Joaquim derrubou a autorização até que o plenário do Supremo discuta o mérito da questão. O ministro deu prazo de dez dias para que o tribunal paulista preste informações sobre o caso.

“A medida liminar que ora se concede é precária e não poderá ser invocada para estabilizar expectativas, nem para consolidar situações”, escreveu Joaquim em sua decisão.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

JUSTIÇA PARA TODOS


ZERO HORA 26 de novembro de 2012 | N° 17265


EDITORIAIS


Poucas vezes, nas últimas décadas, a Justiça concentrou as atenções do país como agora. Uma combinação de acontecimentos faz com que a população reforce suas expectativas em relação à efetividade de um dos poderes constituídos. O fenômeno é explicado pelo julgamento do chamado mensalão, pelas controvérsias em torno do caso do bicheiro Carlinhos Cachoeira e pelo fato de que um júri tem como réu um jogador de futebol, o goleiro Bruno. São acontecimentos de forte impacto, com ampla cobertura da imprensa, que atraem naturalmente os olhares de muita gente nem sempre atenta aos atos do Judiciário.

Os fatos citados são exemplares, por produzirem até mesmo reações opostas. No caso do mensalão, a população ficou com a sensação de que o desfecho foi o que se espera da Justiça. No episódio da soltura do bicheiro, são atiçadas dúvidas sobre as amplas possibilidades à disposição de acusados de delitos. O mais importante é que a sociedade vem sendo informada de tais atos, em boa parte por iniciativa do próprio Judiciário. A exposição pública do julgamento do mensalão, com o embate entre acusação, defesa e ministros, teve o mérito de oferecer didatismo a um ritual incomum para a maioria.

É enganoso, no entanto, acreditar que essa exposição, pautada pela transparência, possa bastar para que a imagem do Judiciário passe a ser a de um poder inquestionável. Como observou o ministro Joaquim Barbosa, ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o Brasil ainda precisa corrigir o déficit de justiça. O apelo do ministro deve avançar para além do que significa como preocupação e até como intenção. Precisa ser substantivo, para que o Judiciário seja mais acessível a todos, da primeira instância aos tribunais, e para que se faça justiça com isenção. O que, em síntese, todas as atenções ao Judiciário expressam é o desejo de equidade e de que o país conviva com menos impunidade.

domingo, 25 de novembro de 2012

STF VAI PEITAR O CONGRESSO?

REVISTA ISTO É N° Edição: 2246 | 23.Nov.12 - 21:00 | Atualizado em 25.Nov.12 - 14:35


Joaquim vai peitar o congresso?
 

Pedir a cassação dos deputados condenados pelo mensalão é o primeiro embate de Joaquim Barbosa no comando do STF. O Congresso pressiona para salvar os políticos, mas o novo presidente da corte se diz determinado a mudar a Justiça

 Izabelle Torres




NOVO ESTILO
Joaquim Barbosa quer que o STF tenha a palavra final
sobre a perda de mandato dos políticos

Na tarde da quinta-feira 22, cerca de duas mil pessoas estiveram no Supremo Tribunal Federal para assistir à posse do ministro Joaquim Barbosa na presidência da corte. Não ocorria ali apenas uma troca de comando. A solenidade era a representação de um avanço da sociedade brasileira, com a ascensão do primeiro negro ao mais importante posto do Judiciário. Mas as cerimônias também estavam carregadas de uma forte expectativa institucional: a de que soprem novos ares sobre a Justiça do País. Ou uma verdadeira ventania, a julgar pela determinação, o estilo corrosivo, o ar desafiador e o rigor com que Barbosa tem atuado no julgamento do mensalão. Ninguém duvida. Joaquim Barbosa não deixará passar em vão seus dois anos à frente do STF. Já no discurso de posse, ele criticou a “desigualdade da Justiça”. Defensor de que os juízes não podem ser indiferentes “aos valores e anseios sociais” e dono de um perfil mais combativo, em contraste com a diplomática gestão do antecessor, ministro Carlos Ayres Britto, Barbosa pretende que a Justiça assuma um novo papel. Mesmo que essa mudança toda se reflita sobre o relacionamento com os demais poderes da União.

Pelos planos de Barbosa, o primeiro – e talvez mais explosivo – capítulo dessa transformação ocorrerá com o Congresso Nacional. A presença pífia de políticos na cerimônia de posse serviu de termômetro para os embates que estão por vir. Já nos próximos dias, o novo presidente do STF pretende conduzir uma votação para retirar do Parlamento a prerrogativa de cassar seus integrantes mesmo depois das decisões definitivas do STF. A ideia do ministro é que a perda do mandato deve ser imediata após a conclusão do julgamento. Caso o STF passe a ter a prerrogativa sobre a cassação dos mandatos de parlamentares, a medida atingirá de imediato os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT), condenados no processo do mensalão. Outro que pode ser afetado diretamente é o ex-presidente do PT José Genoino, que espera assumir uma cadeira na Câmara no lugar do deputado Carlinhos Almeida (PT-SP), eleito para a Prefeitura de São José dos Campos (SP). Também perderia o mandato o deputado Natan Donadom (PMDB-RO), condenado em 2010 pelo STF. A corte decidiu que ele deveria cumprir 13 anos e quatro meses de prisão por ter cometido os crimes de peculato e formação de quadrilha, mas o deputado está solto e segue exercendo o mandato parlamentar graças a recursos não julgados. Ainda não está claro, entretanto, qual será a reação do Congresso à perda de prerrogativa, tradicionalmente tão cara aos políticos.

Para a especialista Margarida Lacombe, do Observatório da Justiça, Barbosa pode decidir sobre esta questão já ao final do julgamento do mensalão. “Ele está em um colegiado, não dará a palavra final, mas pode incluir o debate na pauta e elaborar uma jurisprudência para casos posteriores ”, diz. Em outra sinalização sobre quais serão suas prioridades, Barbosa pediu a assessores um levantamento sobre as ações de corrupção e improbidade administrativa que estão paradas na corte. São quase 500, envolvendo parlamentares e gestores públicos. Assim, o ministro demonstra que irá priorizar as ações contra políticos acusados de malfeitos. Ele também quer que os processos sejam públicos, acabando com a publicação apenas das iniciais dos investigados.


PRONTO PARA NEGOCIAR
O diplomata Sílvio Albuquerque será um dos homens fortes de Joaquim Barbosa,
empossado na quinta-feira 22 durante concorrida cerimônia no STF



Antes mesmo de assumir o posto oficialmente, Barbosa confidenciou a pessoas próximas que seu maior desejo é adotar estratégias capazes de influenciar a forma como as instituições tratam o dinheiro público. Hoje os políticos são julgados pelos seus próprios pares e tribunais de primeira instância conduzem seus processos, para Joaquim, de forma mais lenta do que o aceitável. Ele quer mudar esse quadro. Acredita que, dessa maneira, o Supremo estará mais próximo dos anseios da sociedade, como deixou claro no discurso de posse que durou 17 minutos. “Quero uma Justiça célere, efetiva e justa”, “sem firulas, sem floreios, sem rapapés”, disse Barbosa, testemunhado pela presidenta Dilma Rousseff e personalidades do meio artístico como os atores Taís Araújo, Lázaro Ramos e Milton Gonçalves, o cantor Djavan, a apresentadora Regina Casé e o tricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet.

Outro embate de Joaquim Barbosa será travado com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A amigos, Barbosa afirmou que uma de suas primeiras medidas à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) será enfrentar a advocacia de filhos e cônjuges de magistrados de tribunais superiores. Na condição de presidente do colegiado, o ministro vai tentar convencer os 15 conselheiros a proibir essas práticas. Entre os atingidos pelas mudanças na regra estão filhos do atual corregedor do CNJ, ministro Francisco Falcão. A OAB, no entanto, deve reagir.
A busca por maior independência dos magistrados no julgamento das ações é considerada um desafio por Barbosa, que dedicou ao tema boa parte de seu discurso de posse. “É preciso reforçar a independência do juiz. Afastá-lo desde o ingresso na carreira das múltiplas e nocivas influências que podem paulatinamente minar-lhe a independência”, afirmou o presidente do STF. Os demais ministros fizeram coro: “Rogamos que lute em prol de um Judiciário probo, independente, ativo e legitimado”, declarou o ministro Luiz Fux, se dirigindo a Barbosa. Ao mesmo tempo que lutará pela independência dos magistrados, Barbosa promete transparência total no exercício das funções. De acordo com um de seus assessores, o novo presidente do STF pretende abrir na internet os gastos dos tribunais e salários de juízes.



O novo presidente do STF teve, porém, a prudência de se preocupar em se cercar de pessoas capazes de abrir canais de comunicação com outros órgãos, de negociar em seu nome com os colegas e pensar formas eficientes para gerir o orçamento da Casa, inicialmente previsto para R$ 520 milhões em 2013. Não por acaso ele colocou um ministro do Itamaraty para coordenar o gabinete da presidência: Sílvio Albuquerque. O diplomata é especialista em temas sociais, especialmente sobre negros, e conheceu Barbosa quando sua ONG estava em atividade. Elogiado pela forma suave como conduz conversas e negociações, caberá a ele a função de marcar audiências e receber pessoas em nome do presidente.

Para lidar com os servidores e com a administração da Casa, Barbosa escalou um técnico do Tribunal de Contas da União especializado em gestão de pessoal. A missão de Fernando Camargo será evitar os desgastes do presidente com os quase dois mil funcionários da corte à espera de decisões corporativistas, que Barbosa não pretende tomar. Do antigo gabinete, o ministro levou poucos dos seus funcionários. A primeira a ser escolhida para acompanhá-lo foi Flávia Beatriz Eckhardt, amiga pessoal desde a década de 80 e ex-orientanda de mestrado do atual presidente da corte. Agora, ela será a secretária-geral do Supremo. Disposto a tornar mais transparente e eficiente sua administração, Barbosa convidou para a Secretaria de Gestão Estratégica Patrícia Landi, ex-braço direito do ministro Ricardo Lewandowski no Tribunal Superior Eleitoral. Patrícia foi a responsável por prêmios de eficiência concedidos ao gabinete de Lewandowski quando ele integrava a corte eleitoral.

A equipe escolhida para administrar o STF é discreta e foi orientada a evitar a imprensa e o vazamento de informações internas. Não é para menos. Afinal, a agenda que o STF tem pela frente está cheia de julgamentos emblemáticos como o mensalão mineiro, a divisão dos royalties do petróleo e até as novas regras para o setor elétrico. Estes são temas que devem desaguar na corte nos próximos meses e entusiasmam Joaquim Barbosa. Ele está disposto a alinhar o Supremo com a opinião pública e a tirar o sono dos políticos adeptos de práticas de corrupção.

JUSTIÇA PARA TODOS


GAUDÊNCIO TORQUATO

JORNALISTA, PROFESSOR TITULAR DA USP; É CONSULTOR POLÍTICO DE COMUNICAÇÃO. TWITTER: @GAUDTORQUATO

O Estado de S.Paulo, 25 de novembro de 2012 | 2h 05

Ao tomar posse na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa terá como missão consolidar a identidade da Corte Constitucional, preservando a mais respeitada imagem entre os Poderes da República e os órgãos a serviço do Estado. O elevado patamar de respeito alcançado pelo STF não é resultado apenas do julgamento da Ação Penal 470, em fase de conclusão, mas de gradativo processo de reconhecimento da sociedade por suas corajosas decisões. Nos últimos anos importantes temáticas acenderam o debate público. Basta lembrar questões como racismo e antissemitismo, progressão do regime prisional, fidelidade partidária, Lei da Ficha Limpa, proibição de nepotismo na administração pública, direitos dos índios, direito de greve dos servidores públicos, interrupção da gravidez de feto anencéfalo, uso de células-tronco embrionárias humanas e relações homoafetivas, entre outras. O chamado mensalão coroa o ciclo de percepção social sobre o Supremo, pelo fato de desfazer a cultivada impressão de que, aqui, poderosos costumam desprender-se das teias da lei e pelas implicações político-partidárias que deflagra.

As críticas feitas pelo PT à condução do julgamento que "condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados", por mais que se desdobrem em atos internos de protesto ou externos de apelação a organismos internacionais (iniciativa de pouco crédito), não conseguirão empanar a aura que envolve nossa mais alta Corte. Por isso mesmo faz sentido acreditar que a semente moral plantada pelo corpo de ministros na seara política deve alterar comportamentos de representantes e governantes, cientes de que doravante deverão cuidar para não ultrapassar limites no campo de costumes e práticas. Ao presidente Barbosa compete, pois, zelar pela densa base de respeito conquistada pela Casa, para a qual, aliás, ele contribuiu com a argamassa de seu relatório sobre o mensalão. Impõe-se agora um comportamento ancorado nas regras ditadas pela liturgia do cargo e o empenho para atingir a elogiável e anunciada meta de acelerar o processo decisório para dar vazão a milhares de processos que se acumulam nos gabinetes.

Dito isto, registre-se o papel do presidente que deixou a Corte, tangido pela compulsória, Carlos Ayres Britto, que merece loas pela maneira como conduziu o julgamento da Ação Penal 470. Lhaneza, cordialidade, simplicidade, disciplina, capacidade de juntar os contrários emergem como virtudes desse magistrado sergipano, cujo pendor para a contemplação e a meditação, sob um véu de espiritualidade, funcionou como eixo de equilíbrio e luz do bom senso. Quase um milagre, por se saber que, naquele ambiente, os egos tendem a se inflamar.

Há pouco mais de três meses, ao chamar a si a responsabilidade de comandar o julgamento da mais emblemática ação penal do Supremo e o maior caso de corrupção no Brasil, o poeta Britto parecia navegar sozinho num oceano de descrença. Mas, com o processo na reta final, saiu sob aplausos, reconhecido como magistrado que honrou a toga, um ser profundamente arraigado nas raízes do humanismo, capaz de colorir a práxis do cientista jurídico com as cores exóticas da física quântica, tudo isso embalado na expressão da alma poética. Feliz, confessa: "Não perdi a viagem". O País, que o acompanhou no caminhar do avanço, também não.

Resta ponderar sobre o teor crítico dirigido ao STF pela condenação de políticos. Parcela do descontentamento aponta como base argumentativa a "decisão de caráter político", como se os mais altos dignitários da Justiça, que são irremovíveis de seus cargos, fossem induzidos a punir determinado partido. Ora, foram condenados atores de mais de uma sigla. Quanto ao caráter "político" da decisão, é oportuno lembrar que as Cortes Constitucionais exercem uma função política, caracterizada na interpretação e decisão sobre a separação de Poderes, sobre o federalismo e a defesa dos direitos fundamentais. Em suma, tomando posição a respeito das instituições do Estado. Se a política tem como missão servir à polis, o Estado elege como dever primacial preservar a sociedade, promovendo seu bem comum. Tal meta integra o escopo das Cortes judiciárias, não apenas dos Poderes Executivo e Legislativo. A relação das temáticas expostas no início deste texto denota o caráter político que as acolhe. Entende-se o verbo ácido contra o colegiado jurídico como manifestação (democrática, sem dúvida) de grupos acocorados nos pedestais do poder, principalmente quando as condenações atingem figuras de proa do partido que comanda o governo.

Não é de hoje que a Corte Constitucional é alvo de pressões contrárias à sua atuação. O interesse público nem sempre é o interesse de alguns públicos. Em 1893, dois anos após ser criado o STF, suas galerias, no Rio de Janeiro, eram tomadas por grupos que vaiavam e aplaudiam os votos de ministros, que concediam ou negavam habeas corpus a presos políticos. Floriano Peixoto, o presidente da República, depois de ameaçar fechar a Corte por não concordar com a soltura de um senador adversário, deixou de preencher vagas resultantes da aposentadoria de juízes. O tribunal passou meses sem trabalhar por falta de quórum. Getúlio Vargas, em 1931, reduziu por decreto o número de 15 para 11 juízes, aposentando 5 deles compulsoriamente. A ditadura de 1964 aumentou o número de magistrados para 16, mas depois voltou aos 11. Foram atos de força contra a independência do STF. Nos EUA, os 9 magistrados que formam a Suprema Corte vez ou outra decepcionam os presidentes da República (republicanos ou democratas) que os nomeiam. Lá exercem a função por toda a vida ou até quando pedem para sair. Aqui aos 70 anos se aposentam compulsoriamente. Um buraco de monta no nosso edifício judiciário.

Mesmo assim, é tempo de esperança. Pois tremula no mais alto mastro das instituições a crença de que a justiça, agora, chega para todos. 
 
 
 
 

sábado, 24 de novembro de 2012

A SAGRAÇÃO DE BARBOSA


24 de novembro de 2012 | 2h 07


OPINIÃO O Estado de S.Paulo

Os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) são escolhidos por seus pares entre os mais antigos que ainda não tenham exercido a função. O seu mandato é de dois anos, salvo se tiverem de se aposentar antes de seu término, como aconteceu há pouco com o ministro Carlos Ayres Britto - sucedido, conforme a regra, pelo colega Joaquim Barbosa. O acaso só entrou em cena duas vezes na trajetória recente de Joaquim Barbosa: em 2006, quando foi sorteado relator do processo do mensalão, e em junho último, quando Ayres Britto marcou para 2 de agosto o início do julgamento que sabidamente ainda estaria em curso à época da troca de comando na Corte. O que não estava escrito, nem no regimento do Supremo, nem no imponderável resultado de um sorteio, nem nas imposições do calendário, foi o que Barbosa fez como relator ao longo das 47 sessões que precederam a sua posse, anteontem, na presidência do STF.

Para boa parte do público que seguiu o desenrolar do julgamento do mais grave escândalo de corrupção da crônica política nacional, a deplorável agressividade com que ele se conduziu durante os trabalhos, desentendendo-se com o revisor Ricardo Lewandowski - que, por outra coincidência, é agora o seu vice e futuro sucessor -, foi compensada, se não justificada, pela sua implacável exegese dos autos da Ação Penal 470 e a sua intransigente aplicação das leis: primeiro, para condenar 25 dos 37 réus por uma variedade de delitos; depois, ao conseguir penas de inusitada severidade para os principais mensaleiros - do operador do esquema, Marcos Valério (40 anos, 1 mês e 6 dias), ao ex-ministro José Dirceu, apontado como "chefe da quadrilha" (10 anos e 10 meses), passando pelos dirigentes petistas Delúbio Soares (8 anos e 11 meses) e José Genoino (6 anos e 11 meses).

Barbosa tornou-se mais do que uma celebridade instantânea. Para uma sociedade farta da impunidade dos políticos e outros mandachuvas, ele é hoje o mais querido dos brasileiros, a ponto de seu nome aparecer frequentemente nas redes sociais como o candidato dos sonhos ao governo do País. O respeito e a gratidão de que passou a desfrutar como justiceiro da corrupção lhe caem bem. Primeiro, como apontou um jurista que acompanha de perto o julgamento, porque a sua tenacidade interrompeu, se não extinguiu, no relacionamento do sistema judicial brasileiro com as elites, a histórica "cordialidade" de que falava o pensador Sérgio Buarque de Holanda para caracterizar a enraizada prevalência dos vínculos pessoais e sociais sobre o que deveria ser a impessoalidade das decisões em todos os ramos do Estado nacional.

Não menos importante, o segundo fator que alçou o ministro a alturas de estima jamais alcançadas por um magistrado brasileiro são a cor de sua pele e suas origens pobres. Primogênito dos oito filhos de um pedreiro e de uma dona de casa de Paracatu, Minas Gerais, muito cedo ele se tornou arrimo de família, enquanto cursava o 2.º grau e, depois, direito, em Brasília. Tendo trabalhado no Itamaraty e ingressado no Ministério Público Federal, doutorou-se e lecionou no exterior. Numa prova do quanto o País avançou desde a virada do século, quem o conduziu ao Supremo, do qual seria o primeiro presidente negro, foi o primeiro presidente operário, Luiz Inácio Lula da Silva. Assim como a visão de mundo do ex-sindicalista foi marcada pelas provações da miséria, como retirante nordestino, é certo que a abrasiva personalidade de Barbosa também reflete a sua experiência numa cultura que demanda do negro ser melhor do que o branco para ser tratado como igual - e gera o preconceito às avessas a que ele não ficou imune.

Na posse, ao lado de uma deliberadamente emburrada presidente Dilma, condenou os costumes de seus colegas ao prometer uma Justiça "sem firulas, sem rodeios, sem rapapés". De nada valem, ressaltou, "as edificações suntuosas (…) se naquilo que é essencial a Justiça falha". O essencial é o óbvio - a interminável tramitação dos processos e o descumprimento do direito do cidadão "de ser tratado de forma igual quando busca o serviço público da Justiça". Que ataque, pois, esses males, no que lhe couber, com a contundência demonstrada na condenação dos mensaleiros.

domingo, 18 de novembro de 2012

NEGRO, POPULAR E AGORA PRESIDENTE


ZERO HORA 18 de novembro de 2012 | N° 17257

NO COMANDO DO STF

GUILHERME MAZUI | Brasília

O menino pobre que ajudava o pai a fazer tijolos no interior de Minas Gerais assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quinta-feira. Joaquim Barbosa se torna o primeiro negro a ocupar o cargo mais importante do Judiciário, prestigiado pelo combate à corrupção travado no julgamento do mensalão.

O mineiro Joaquim Benedito Barbosa Gomes é eleitor do PT. Votou em Lula, votou em Dilma. Sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) teve a chancela do então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Histórico que não impediu o relator da ação penal 470 de conduzir a condenação de ícones petistas no julgamento do mensalão. O primeiro negro a assumir a presidência da mais alta Corte do país é um homem que preza pela independência.

Implacável, irritadiço ao ter seu ponto de vista contrariado, Barbosa toma posse na próxima quinta-feira com prestígio em alta. Aos 58 anos, virou uma celebridade que carrega na origem humilde e na mescla de hábitos simples e sofisticados a base do fascínio popular. Barbosa é o negro poliglota, o amante de música clássica e samba, o homem que prepara o próprio café, mas só veste ternos importados.

Desde pequeno, nunca foi de baixar a cabeça. Primogênito dos oito filhos de um pedreiro e uma dona de casa, nasceu em Paracatu, cidade do noroeste mineiro, erguida com o suor escravo. Nas décadas de 1950 e 1960, a segregação racial persistia, porém fazia questão de ocupar os mesmos espaços dos meninos brancos.

– Ele não aceitava ser barrado por causa da cor. E descontava qualquer discriminação nas notas. Deixava os filhos dos fazendeiros pra trás na escola – recorda o amigo José Romualdo, o Zé da Áurea, 63 anos.

Dito, como os familiares o chamam, cresceu no bairro de Paracatuzinho, em uma casa de adobe, alvo de romarias de repórteres nas últimas semanas. Lia compulsivamente, aprendeu a tocar piano e violino, cantarolava em inglês e dava seus dribles com a camisa do Santana Esporte Clube.

– Joaquim lembrava de longe o Dirceu Lopes, craque do Cruzeiro – recorda o ex-jogador Dario Alegria, primo distante do ministro.

Apesar do gosto pelo futebol, Barbosa tabelou com os livros. Fez doutorado na Sorbonne e passou a dar aulas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Virou o orgulho de Paracatu.

– Qualquer um que tem Barbosa no nome diz que é parente dele – ri a afilhada Junia, 37 anos.

O mineiro construiu uma trajetória impecável, resposta aos que insinuam que virou ministro por ser negro. Na verdade, as duas questões convergem. Lula queria creditar ao seu governo a nomeação do primeiro negro do Supremo. O currículo, aprovado pelo então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, facilitou a escolha.

Na cúpula do Judiciário, Barbosa coleciona discussões com colegas. Ao tratar com rigor crimes de colarinho branco, passou a ser aplaudido nas ruas, cultuado nas redes sociais. Em Paracatu, já se cogita erguer uma estátua em homenagem ao filho ilustre. Os mais exaltados criaram um site para defender a candidatura do ministro à Presidência da República. O magistrado garante que não pretende suceder Dilma Rousseff, tampouco se considera super-herói. Porém, sabe: jamais um presidente do STF teve tamanha popularidade.


Advogados e colegas esperam serenidade


Popular nas ruas e nas redes sociais, Joaquim Barbosa divide opiniões no Judiciário e coleciona rusgas com colegas de toga. Em 2009, ficou famoso o bate-boca com Gilmar Mendes, a quem acusou de destruir “a credibilidade da Justiça brasileira” e de ter “capangas”. No ano seguinte, licenciou-se para tratar as dores nas costas, porém foi visto em festas e bares de Brasília. Já em abril passado, chamou o ex-ministro Cezar Peluso de “conservador, imperial e tirânico”.

O histórico causa expectativa em relação ao mandato que se inicia na quinta-feira. Em conversas particulares, os demais ministros esperam que Barbosa tenha serenidade e consiga domar seus impulsos. Já os advogados preveem tempos difíceis – uma projeção carregada de antipatia. Membro do Ministério Público Federal por quase 20 anos, o magistrado é criticado por supostamente carregar uma predisposição em condenar.

– São anos e anos de consciência acusatória – comenta um criminalista.

Barbosa é conhecido por tratar os advogados com frieza. No julgamento do mensalão, não aceitou pedidos para despachar com os defensores dos réus. Em outros processos, quando recebe os profissionais, é rápido e direto, não se estende por mais de 10 minutos.

– Ele não é ofensivo, mas não é um primor de simpatia – diz um advogado.

Já o Ministério Público aplaude o novo presidente do Supremo, elogiado pela rigidez com que trata crimes de corrupção e conduz seu gabinete. Barbosa mantém um púlpito em sua sala, já que, em virtude do problema na coluna, trabalha parte do tempo em pé e parte sentado. Perfeccionista, não admite erros de português. É implacável com vazamento de informações, porém afável.

– Ele é sério, mas muito gentil com quem trabalha bem – afirma um antigo assessor.

Currículo notável
- Joaquim Barbosa detém um dos currículos mais notáveis da história do Supremo Tribunal Federal. Fez a formação escolar entre Paracatu e Brasília, para onde migrou na adolescência. Na capital federal, estudou no colégio Elefante Branco.
- Trabalhou na gráfica do Senado, era um dos poucos negros no curso de Direito da Universidade de Brasília, onde ainda fez mestrado. Mais tarde, obteve título de doutor e mestre em Direito Público pela Universidade de Paris-II (Panthéon-Assas).
- É professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor visitante em duas universidades americanas. Estudou línguas estrangeiras no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha.
- Foi oficial de chancelaria do Itamaraty, chefe da consultoria jurídica do Ministério da Saúde e membro concursado do Ministério Público Federal de 1984 a 2003, quando foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
- O sucesso na carreira fez Barbosa levar a família para Brasília. Na capital, mora a mãe, Benedita, conhecida por ser uma evangélica fervorosa, além dos irmãos e sobrinhos – o pai faleceu há dois anos. Separado há pouco tempo, o ministro mantém outra parte da vida no Rio de Janeiro, onde vive Felipe, seu único filho.

sábado, 17 de novembro de 2012

A SAUDÁVEL CEGUEIRA DA JUSTIÇA

REVISTA ISTO É N° Edição: 2245

No Brasil, não há registros na história recente de um processo que demonstre tanta harmonia entre o significado da estátua encravada na entrada do STF e o ocorrido em seu plenário durante o julgamento do mensalão 

Mário Simas Filho


Em todo o mundo a Justiça é representada pela imagem de uma jovem deusa (grega ou romana) com os olhos vendados. Trata-se de uma simbologia para reafirmar a máxima maior do direito de que todos são iguais perante a lei. No plano metafórico, com os olhos tapados não se faz distinção nem se assegura tratamento diferenciado àqueles que estão sendo julgados. No Brasil, não há registros na história recente de um processo que demonstre tanta harmonia entre o significado da estátua encravada na entrada do Supremo Tribunal Federal e o ocorrido em seu plenário principal durante o julgamento da Ação Penal 470.

Em um país acostumado a ver a impunidade assegurada aos que estão no andar de cima, surpreendeu positivamente o chamado julgamento do mensalão. Nas últimas semanas, a deusa da Justiça não viu que no banco dos réus estava perfilado o poder. O ex-ministro José Dirceu, que durante anos foi seguramente o segundo homem mais poderoso da República, e líderes partidários de legendas com assentos na Esplanada dos Ministérios foram sentenciados como criminosos comuns. A banqueira Kátia Rabello e seus principais auxiliares no Banco Rural receberam penas como as que costumam ser aplicadas àqueles que não têm saldo médio suficiente para possuir cheque especial. Empresários como Marcos Valério e seus sócios foram submetidos ao tratamento normalmente dispensado aos que não têm emprego.

Desnorteados diante da saudável cegueira apresentada pelos ministros do STF, muitos procuram tratar as decisões da corte como ações típicas dos tribunais de exceção. Nada mais falso. Aos réus foi assegurada a ampla defesa em todas as fases do processo. A favor deles argumentaram os mais renomados e bem remunerados criminalistas do País, tudo com transparência absoluta. Ninguém foi constrangido, nenhuma testemunha desprezada ou pressionada. Um olhar desapaixonado não permite outra conclusão que não seja a de que o STF cumpriu seu papel e postou-se como verdadeiro guardião do Estado Democrático de Direito às duras penas conquistado, inclusive por alguns dos agora condenados, desta vez por corrupção e formação de quadrilha e não mais por atentar contra uma inaceitável Lei de Segurança Nacional.

A jovem deusa postada na entrada do STF tem em seu colo uma espada. Trata-se da representação da força e do poder de suas decisões. Aos ministros togados cabe, agora, empunhar essa espada para que suas sentenças sejam mesmo cumpridas, e o maior desafio: fazer com que a venda continue tapando os olhos da Justiça em todas as suas instâncias e não apenas nos tribunais superiores ou nos processos que têm espaço midiático. Assim como há criminosos dos andares de baixo para serem julgados, existe mais gente do andar de cima acomodada no banco dos réus. E como, no caso do mensalão, são políticos, banqueiros e empresários. Se a cegueira do STF contagiar de vez nosso Poder Judiciário, o Brasil terá muito a comemorar.

ENTIDADES DE MAGISTRADOS DEFENDEM SUPREMO

 

ZERO HORA 17 de novembro de 2012 | N° 17256

A HORA DA DECISÃO

Entidades saem em defesa do Supremo



Associções de magistrados rebatem PT e afirmam que julgamento é técnicoDuas entidades ligadas a magistrados saíram ontem em defesa da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão e criticaram declarações da executiva do PT.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) afirmaram, por meio de nota, que a análise do caso é técnica, contrariando a tese petista, que acusou a Corte de agir politicamente.

Para as associações, o Supremo tem agido tecnicamente e a participação de ministros que foram indicados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela presidente Dilma Rousseff “comprova a independência desses ministros em relação a quem os nomeou”.

Para a Ajufe, o julgamento é pautado por “respeito aos princípios constitucionais garantidores de um processo penal justo, especialmente o contraditório e a ampla defesa”. Na avaliação da entidade, “a irresignação quanto às penas que vêm sendo aplicadas é perfeitamente compreensível dentro do contexto e, por essa razão, a crítica do PT deve ser recebida como expressão de inconformismo, no exercício da liberdade de expressão. Nada mais do que isso”.

A Anamatra afirma que o resultado do julgamento é “técnico” e que todos os ministros deram provas “de honradez e correção” durante o processo. A associação diz ainda que o enfrentamento aos crimes do mensalão, como peculato e lavagem, “é uma conquista para sociedade e uma perda importante para essas organizações que pilham o patrimônio público e desfiguram os hábitos da moralidade pública e privada”. Além disso, a entidade reafirma a credibilidade das instituições. “E que os erros de alguns poucos não sirvam para desviar os rumos positivos do Brasil. As pessoas passam, mas as instituições permanecem”, diz o texto.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

UM DEFENSOR DA LIBERDADE

 
ZERO HORA 15 de novembro de 2012 | N° 17254

EDITORIAIS

Tem coerência com a marca de sua gestão no Supremo Tribunal Federal a proposição do ministro Ayres Britto aprovada às vésperas da despedida da presidência da mais alta corte do país. É sua a iniciativa de criar o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa, órgão do Conselho Nacional de Justiça, com o objetivo de acompanhar ações judiciais que tratem da mídia, e assim fortalecer o direito dos cidadãos à informação independente. Ayres Britto despediu-se compulsoriamente do Supremo aos completar 70 anos e presidiu ontem sua última sessão no STF, em meio ao julgamento do mensalão. Era ministro desde 2003, ocupou a presidência nos últimos setes meses e deixou lições de respeito à Constituição e às liberdades.

Em pelo menos dois momentos, como relator, adotou posições de vanguarda, decisivas para avanços civilizatórios na ciência e nos costumes. Construiu a argumentação, enfim seguida por seus pares, que sustentou a defesa das pesquisas com células-tronco embrionárias. E também conduziu, com a mesma sabedoria, tendo a companhia unânime dos ministros, a relatoria do processo que reconheceu a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o fato de que essas também têm, assim, o direito de constituir um núcleo familiar. Os dois casos, envolvidos em compreensíveis controvérsias, são exemplares da firmeza com que o ministro sustentou seus pontos de vista, durante os nove anos em que integrou o STF. Foi assim que Ayres Britto pôs o saber jurídico a serviço da redução de preconceitos em relação à pesquisa científica e à convivência humana.

Inclui-se no balanço de sua passagem pelo STF a defesa intransigente do direito de expressão e da liberdade dos órgãos de comunicação. Nesse contexto, tem valor simbólico e real a proposição que resultou na criação do Fórum do Judiciário e da Imprensa. No que apresenta de mais elementar, a ideia defende que juízes de todas as instâncias devem estar atentos ao fato de que o direito à informação precisa levar em conta o fim das mordaças da antiga Lei de Imprensa. Em 2009, o ministro foi relator do processo que resultou na extinção da lei herdada da ditadura.

A iniciativa do Fórum não é, como pode parecer, uma redundância, pois, infelizmente, casos como os de censura prévia a jornais, rádios, TVs e outros meios, por determinação da Justiça, não são tão raros. Há inúmeros exemplos, alguns recentes, de restrições a informações que poderiam ferir interesses de envolvidos em delitos, mesmo que o interesse de fato lesado venha a ser o de toda a sociedade. O Fórum tem uma missão nobre. A liberdade de imprensa, como enfatizou o ministro ao defender seu projeto, ocupa na Constituição “o pedestal de irmã siamesa da democracia” e deve ser exercida com responsabilidade e submetida às leis do país, mas sem quaisquer mecanismos esdrúxulos de controles e tutelas de governos ou do Estado.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O MAIOR MOMENTO DA JUSTIÇA



OPINIÃO O Estado de S.Paulo 14 de novembro de 2012 | 2h 09

Eles foram denunciados, julgados, sentenciados e apenados, e do primeiro ao último instante, ao longo de seis anos e sete meses de procedimentos, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal (STF) cumpriram irrepreensivelmente as suas atribuições na coleta, concatenação e enquadramento jurídico dos fatos que envolveram os principais protagonistas políticos do mensalão - o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro da agremiação Delúbio Soares. Ao fixar, anteontem, os termos dos seus merecidos castigos por corrupção ativa e formação de quadrilha, a Corte Suprema brasileira fez história não apenas quebrando o paradigma da impunidade dos poderosos, mas dissipando qualquer dúvida sobre a capacidade técnica e integridade moral do colegiado para levar a cabo uma ação penal sem precedentes por sua complexidade, ramificações, número e calibre da grande maioria dos acusados. E tudo aos olhos da Nação, incluindo as estocadas pontiagudas entre ministros, graças à cobertura ao vivo das sessões.

Ao terminar a 45.ª sessão do julgamento, faltava ainda definir as penas de 16 dos 25 condenados por uma penca de delitos - além daqueles cometidos pela trinca do núcleo político do esquema, houve lavagem de dinheiro, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta. Depois, algumas das penas serão ajustadas, como deve ser o caso dos 40 anos, 1 mês e 6 dias de prisão, mais multa de R$ 2,783 milhões, do operador do mensalão, Marcos Valério. Em seguida, no ano que vem - quando a vaga do ministro e atual presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que se aposenta nos próximos dias, provavelmente já terá sido preenchida, e o ministro Teori Zavascki entrar no lugar do ministro Cézar Peluso -, sairá o acórdão do STF, com os fundamentos das decisões. Depois, virá a fase da apresentação de embargos (pedidos de esclarecimento ou de revisão das sentenças) e o trânsito em julgado do processo. Ainda não está claro quando, onde e em que condições os condenados começarão a cumprir as suas penas - 10 anos e 10 meses, no caso de José Dirceu; 8 anos e 11 meses no de Delúbio; e 6 anos e 11 meses no de Genoino, além de multas de R$ 676 mil, R$ 325 mil e R$ 468 mil, respectivamente.

Como era de esperar, Dirceu reagiu com uma nota em que repete ter sido condenado "sem provas" em um julgamento "sob pressão da mídia" e que a pena a ele imposta "só agrava a infâmia e a ignomínia de todo esse processo". A sua condenação por corrupção ativa, há um mês, foi decidida por 8 votos a 2. Por formação de quadrilha, o placar foi de 6 a 4. Anteontem, as suas recorrentes tentativas de deslegitimar o julgamento e o próprio STF foram mais uma vez desmoralizadas pelo relator Joaquim Barbosa - com base, sim, em provas. Dirceu, apontou o ministro, "manteve intensa e extrema proximidade" com os nomes mais importantes envolvidos na compra de apoio ao governo Lula, mediante o suborno - com recursos públicos - de cerca de uma dezena de deputados federais e dirigentes partidários. "Coube a Dirceu selecionar quem seriam os alvos do oferecimento de propina", além de participar de reuniões com representantes de bancos "para transferir valores para parlamentares". Todos os ministros que haviam votado pela condenação do petista o acompanharam na definição das penas. "São os mesmos critérios que utilizamos para Valério", observou a ministra Rosa Weber.

Enquanto o publicitário não disser tudo o que presumivelmente sabe, será difícil, se não impossível, provar que o presidente Lula no mínimo tinha conhecimento do engenhoso esquema de corrupção concebido nas barbas do Planalto e do qual ele era o beneficiário por excelência. Na quarta-feira, para variar, ele disse que "não viu" as penas aplicadas aos seus companheiros. É mais do mesmo de quem fingia ignorar as enormidades praticadas pelo seu braço direito José Dirceu. É também o retrato de seu descompromisso com as instituições. "Os oito anos de Lula ficarão marcados em nossa história pelo grande avanço na inclusão social, o que chamo de democracia", ressaltou o historiador José Murilo de Carvalho, em entrevista ao Estado. "Não se destacarão pelo que chamo de República."

JUSTIÇA NEGA PRISÃO DOMICILIAR

14 de novembro de 2012 | N° 17253

COLAPSO NAS CADEIAS

Justiça nega prisão domiciliar a 500 presos

LETÍCIA COSTA


Os juízes da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre negaram ontem os pedidos da Defensoria Pública para a concessão de prisão domiciliar a cerca de 500 presos da Região Metropolitana. Para a Justiça, falta detalhar se existe alguma ordem que impeça a mudança do regime fechado para o semiaberto.

– Pode existir, inclusive de outros Estados, uma ordem de prisão preventiva para uma minoria dos presos e isso os mantém no regime fechado – explica o juiz da VEC Sidinei Brzuska.

Os pedidos liminares feitos pela Defensoria Pública sustentam que os presos já possuem direito a cumprir pena no regime semiaberto, porém, por causa da falta de vagas nos albergues do Estado, os detentos ganhariam o direito à prisão domiciliar.

Para tomar uma decisão definitiva, a VEC solicitará à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) o detalhamento do regime dos presos e se existe algo que os impeça de passar para o semiaberto. A partir do pedido, que deve ser feito hoje, a Susepe terá cinco dias para dar o retorno. De acordo com a assessoria de imprensa da Superintendência, será preciso aguardar a chegada dos documentos para avaliar se o órgão conseguirá responder ao pedido da Justiça no tempo estipulado.

Com as informações, os juízes da Vara de Execuções Criminais darão 48 horas para o Ministério Público (MP) se manifestar, caso ache necessário. Depois, uma nova reunião entre os juízes irá definir o destino dos apenados.


 
Entenda o caso
- Alegando que presos com direito ao semiaberto estão cumprindo pena em regime fechado, por falta de vagas em albergues, a Defensoria Pública entrou na Justiça solicitando a concessão de prisão domiciliar para apenados que estão no Presídio Central, em Porto Alegre
- A Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre recebeu os pedidos liminares, mas, ontem, não concedeu a prisão domiciliar por necessitar de detalhes sobre a situação criminal de cada preso
PRÓXIMOS PASSOS
- Os juízes da Vara de Execuções Criminais (VEC) vão pedir à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) detalhes sobre o regime dos cerca de 500 presos e se há alguma ordem que impeça a progressão para o semiaberto
- Os pedidos devem ser entregues hoje, e a Susepe tem cinco dias para dar o retorno com as informações
- Depois disso, o Ministério Público (MP) terá um prazo de 48 horas para se manifestar
- Com o prazo do MP atingido, os juízes se reunirão novamente para uma decisão final dos pedidos de prisões domiciliares feitos pela Defensoria Pública

terça-feira, 13 de novembro de 2012

GOLPE NA IMPUNIDADE


13 de novembro de 2012 | N° 17252

EDITORIAIS



A condenação do ex-ministro José Dirceu a 10 anos e 10 meses de prisão, por formação de quadrilha e corrupção ativa, tem múltiplos significados para o país, mas o principal deles parece ser o recado inequívoco do Supremo Tribunal Federal de que os crimes cometidos por políticos e governantes não ficarão mais impunes. Mais do que Dirceu, identificado pelo procurador-geral da República e pelo relator do processo como mentor e comandante do esquema delituoso de compra de apoio parlamentar para o governo, o que acaba de ser condenado é uma prática que subvertia as relações harmônicas entre os poderes do Estado e amea- çava a própria democracia.

Definido pelo ministro Ayres Britto como uma tentativa de golpe contra as instituições democráticas, pois um poder usava dinheiro público para corromper outro, o mensalão provocou também um debate político sem precedentes no país, por envolver altos próceres do Partido dos Trabalhadores e comprometer a administração exitosa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desembocou na Suprema Corte entre dois extremos: de um lado, lideranças petistas que sequer reconheciam a sua existência; de outro, a oposição, grande parte da mídia e da opinião pública, que o reconheciam como o maior escândalo de corrupção da história da República. Coube ao STF – e a tarefa ainda não foi concluída – dar a palavra final sobre o impasse de ideias e visões.

Goste-se ou não do rumo tomado pela investigação e pelo julgamento, é inquestionável que tudo está sendo feito de acordo com a Constituição e com a legislação vigente. Depois da investigação policial, a promotoria apresentou fundamentada acusação, todos os réus tiveram amplo direito de defesa, seus advogados puderam se manifestar livremente e os magistrados passaram a julgar com absoluta transparência, possibilitando à nação acompanhar de perto, em tempo real, cada minúcia do julgamento. Com ampla liberdade para informar e opinar, a imprensa vem dando extensa cobertura ao caso. Nunca na história deste país, os brasileiros puderam acompanhar um processo desta natureza com tamanha riqueza de detalhes.

Por tudo isso, acreditamos que está sendo feita justiça. Não há por que duvidar da isenção da Suprema Corte e de sua fidelidade ao ordenamento jurídico, tanto para a absolvição quanto para a condenação dos acusados. É preciso ficar claro que o ex-ministro José Dirceu não está sendo condenado por sua história – com episódios de reconhecida relevância para a implantação da democracia no país. Está, isto sim, sendo punido por compactuar com uma trama que colocava em risco o próprio regime de liberdades que ajudou a consolidar com sua luta contra a ditadura. O Brasil está saindo deste doloroso processo com a sensação de que a lei começa a valer para todos, dos mais humildes aos mais poderosos. Porém, esta percepção de justiça só se tornará plena e abrangente quando tivermos certeza de que os recursos públicos desviados para malfeitorias serão restituídos aos cofres da nação.

TJ SUSPENDE AUMENTO E CONTRIBUIÇÃO VOLTA A 11%


ZERO HORA 13 de novembro de 2012 | N° 17252

PREVIDÊNCIA

Estado deve recorrer da liminar concedida ontem para voltar a descontar os 13,25% e abrandar déficit


Trajando as imponentes togas pretas, 25 magistrados impuseram ontem um duro revés ao governo Tarso Genro. Com 14 votos favoráveis e 11 contrários, o órgão especial do Tribunal de Justiça concedeu uma liminar para suspender a cobrança da alíquota de 13,25% de previdência de 300 mil servidores estaduais, entre ativos, inativos e pensionistas.

Concebida para abrandar o déficit anual atual de R$ 6 bilhões no pagamento de aposentados e pensionistas, a lei injetava cerca de R$ 10 milhões mensais nos cofres do Estado. Agora, o Piratini terá de retomar o desconto previdenciário de 11%. Titular da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Carlos Henrique Kaipper assegurou que o governo irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), instância em que é provável a demora no julgamento.

O Estado aposta, principalmente, na análise do mérito da ação no próprio TJ, o que deve ocorrer entre 60 e 90 dias. É na discussão do mérito que os magistrados debatem os detalhes acerca da legalidade das medidas. Os 14 magistrados que concederam liminar, atendendo solicitação da União Gaúcha em Defesa da Previdência Pública, se limitaram a citar um argumento: a elevação da alíquota é ilegal pois, quando da aprovação na Assembleia, não estava anexado ao projeto um cálculo atuarial que justificasse a necessidade de aumentar a arrecadação para combater o déficit.

A esperança do Piratini reside no fato de que os 11 magistrados que votaram pelo indeferimento da liminar ressaltaram que a Constituição dá autonomia para os Estados regularem as suas alíquotas e que o déficit bilionário justifica aumento de arrecadação. Também foram feitas referências à existência de cálculo atuarial produzido pelo Banco do Brasil – que foi anexado aos autos do processo. O envio desse documento à AL chegou a ser considerado um mero procedimento regimental.

Presidente do Conselho de Comunicação do TJ, o desembargador Tulio Martins acredita que não há conflito de interesses no fato de os magistrados derrubarem um aumento de alíquota que incidia nos seus contracheques.

CARLOS ROLLSING

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

VIOLÊNCIA: STF COBRA ATITUDE DO GOVERNO FEDERAL


STF cobra atitude do governo federal para combater violência no País. O ministro Gilmar Mendes diz que não como a União 'ficar de fora da questão da segurança pública'

Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo, 09 de novembro de 2012 | 16h 39


SÃO PAULO - O ministro Gilmar Mendes, do STF, cobrou hoje, 9, em São Paulo, enfaticamente do governo federal que aja o quanto antes para ajudar os Estados a conter a escalada da violência. "Não tem mais como a União ficar de fora dessa questão da segurança pública", disse o ministro. "Ela tem que participar ativamente. Por exemplo, sobre a construção de presídios. Alguns Estados têm dificuldades em manter os presídios. Não é a realidade de São Paulo, mas é a realidade de alguns Estados".

Mendes citou o caso de Estados onde falta comida para os presos. "Não dá para dizer que essa é responsabilidade do Estado. É preciso que, de fato, a União assuma claramente as suas responsabilidades que vão além de uma secretaria de segurança pública burocraticamente provida em Brasília", disse, em alusão à Secretaria Nacional de Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça.

O ministro destacou que a União dispõe de Polícia Federal, de recursos suficientes e das Forças Armadas. "O governo federal tem o dever de policiar as fronteiras, tem todo esse aparato que é ligado à União, Ministério Público Federal, Justiça Federal, me parece que é chegada a hora de se fazer essa coordenação", declarou Mendes.

Ele disse que a União não tem interesse em conversar sobre o tema. "Quando se chama secretários de segurança para conversar sobre isso, eles dizem 'E os recursos, de onde virão?'. Virão da União, em geral. Por isso essa conversa é desagradável e a União nunca quis assumir ou sempre faz auxílios tópicos. Mas essa questão tem que entrar na agenda federal e sem conversa fiada."

Mendes defendeu ainda a adoção de uma política nacional para barrar a violência. "A União tem que ter um papel central. Nós não produzimos cocaína, ela vem do exterior, passa pelas fronteiras. Alguém está coordenando uma ação contra isso? Faltas elementares como essa, presídios sem comida para os presos, alguém está gerenciado isso?".

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Segundo o artigo 102, compete ao STF processar e julgar o Presidente, o Vice, os Ministros, os membros do Congresso Nacional e o Procurador-geral da República. Portanto, age com diligência o STF. Poderia ser ainda mais coativo.

sábado, 3 de novembro de 2012

MENSALÃO E REPÚBLICA

03 de novembro de 2012 | 2h 03

RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ - O Estado de S.Paulo


Tive uma grata surpresa com o julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A nossa democracia parece ter reencontrado a vitalidade, que parecia fenecida por causa da crise em que o Poder Executivo, sobranceiro à lei, tentou comprar definitivamente o apoio do Poder Legislativo mediante a prática de corrupção sistemática, ao ensejo do episódio que o denunciante do esquema, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), denominou como "mensalão".

O nome pegou, para desespero do ex-presidente Lula da Silva, do ex-ministro José Dirceu et caterva. Foram julgados e condenados, se não todos, pelo menos alguns dos responsáveis mais representativos do sinistro esquema. A História encarregar-se-á de julgar os que escaparam, a começar pelo chefe, que, pelo teor das investigações e dos depoimentos, "sabia de tudo".

É de Oliveira Vianna a previsão de que a redenção das instituições republicanas, no Brasil, viria pela mão do Poder Judiciário. Vítima da "política alimentar" - nome dado pelo sociólogo fluminense ao esquema de clientelismo e corrupção que se apossou da vida pública desde tempos que remontam à derrubada do Império -, a República acordaria da catalepsia em que a privatização patrimonialista do poder pelas oligarquias a fez mergulhar. A independência do Poder Judiciário, segundo Oliveira Vianna, no livro Instituições Políticas Brasileiras (1949), garantiria as liberdades civis; asseguradas estas, o País poderia pensar na conquista das liberdades políticas.

Ora, os pareceres dos juízes do Supremo Tribunal puseram na pauta da política dois princípios fundamentais. Em primeiro lugar, todos devem respeitar, sem exceções, a lei e seu marco arquetípico, a Constituição. Em segundo lugar, os que governam não podem agir utilizando a máquina do Estado em benefício próprio. Dois princípios de ética pública que, meridianos, voltaram a presidir o espaço republicano, a partir dos pareceres dos magistrados da nossa Suprema Corte.

Que a sociedade respirou aliviada com a ação patriótica do STF o deixam claro as opiniões dos leitores na mídia eletrônica e impressa, bem como as espontâneas manifestações de aplauso dos cidadãos quando encontram um dos nossos magistrados, em que pese a cerrada política armada pela petralhada, de denuncismo de "golpe da magistratura e da imprensa".

No esquema do mensalão marcaram encontro dois vícios da política: o tradicional "complexo de clã" e a ausência de espírito público, bases do patrimonialismo. Esses dois vícios, entrelaçados como as caras da mesma moeda, fazem com que os atores políticos ajam única e exclusivamente em benefício próprio e das suas clientelas, privatizando as instituições. Nisso o Partido dos Trabalhadores (PT) e coligados se mostraram eficientes "como nunca antes na História deste país".

A esses dois vícios vieram juntar-se duas tendências da cultura política moderna. A primeira, o jacobinismo (inspirado na filosofia de Rousseau, no século 18), segundo o qual a organização da política, nos Estados, deve pautar-se pelo princípio da unanimidade ao redor da "vontade geral" (identificada com o legislador e imposta por seus seguidores, os "puros"), sendo excluída qualquer oposição. O segundo princípio negativo diz respeito ao "messianismo político" - pensado no início do século 19 por Henri-Claude de Saint-Simon e continuado por seu discípulo Augusto Comte.

Ora, na nossa organização republicana se juntaram, com o correr dos séculos, numa síntese perversa, esses dois princípios, bem como os vícios balizadores do patrimonialismo. O jacobinismo e o messianismo político reforçaram-se, dramaticamente, na contemporaneidade, com a tendência cientificista do marxismo (inspiradora dos ideólogos petistas), que passou a pensar a política em termos de hegemonia partidária, à maneira gramsciana.

Na História republicana terminou se consolidando, à sombra das variáveis mencionadas, um modelo identificado com a prática do despotismo. Castilhismo, getulismo, tecnocratismo autoritário, lulopetismo, eis os resultados desse amálgama nada republicano.

Como dizia Alexis de Tocqueville referindo-se à França de 1850, a face da República viu-se desfigurada pelas práticas despóticas. No Brasil, a res publica virou "coisa nossa", num esquema mafioso de minorias encarapitadas no poder, que fazem o que bem entendem, de costas para a Nação, mal representada num Poder Legislativo que se contempla a si próprio e zela quase que exclusivamente pela manutenção de seus próprios privilégios.

Com uma agravante, atualmente: se nos momentos anteriores havia autoritarismo, este se equilibrava com uma proposta tecnocrática bem-sucedida (como nos momentos getuliano e do ciclo militar) ou com um respeito quase sagrado pelo Tesouro público (como no castilhismo). Restou-nos o assalto desavergonhado aos cofres da Nação, em meio ao mais descarado compadrio sindical.

Ecoam ainda as graves palavras com que um dos ministros do Supremo Tribunal Federal caracterizou, dias atrás, o mal que tomou conta do Brasil. "Formou-se na cúpula do poder, à margem da lei e ao arrepio do Direito, um estranho e pernicioso sodalício, constituído por dirigentes unidos por um comum desígnio, um vínculo associativo estável que buscava eficácia ao objetivo espúrio por eles estabelecido: cometer crimes, qualquer tipo de crime, agindo nos subterrâneos do poder como conspiradores, para, assim, vulnerar, transgredir e lesionar a paz pública".

Gravíssima situação que a nossa Suprema Corte encarou com patriotismo e coragem. Esperamos que essa benfazeja reação seja o início de um saneamento completo das instituições republicanas.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

PENHORA ONLINE

CONSULTOR JURÍDICO, 23/10/2012

EXECUÇÃO FISCAL. Penhora online desbanca princípio da menor onerosidade

Por Alessandro Cristo


Quando se trata de Direito, os chamados “princípios” servem como regras gerais, bases para decisões abstratas. Decisões judiciais favoráveis ao fisco, no entanto, têm mostrado que a funcionalidade de alguns métodos de cobrança levam vantagem na balança. É o que tem ocorrido com as penhoras online em contas bancárias de devedores no caso de execuções fiscais. A praticidade tem feito juízes, em troca de uma maior celeridade nos sempre intermináveis processos de cobrança, abrirem mão do direito do contribuinte de oferecer à penhora o bem menos oneroso.

É o que afirma o juiz federal Paulo Cesar Conrado, titular da 12ª Vara de Execuções Fiscais em São Paulo. No último dia 18, o juiz, que é professor de Direito Tributário na PUC-SP, na FGV-SP e no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, palestrou sobre o problema no XXVI Congresso Brasileiro de Direito Tributário do Idepe, em São Paulo. Segundo ele, a mudança de comportamento aconteceu desde a entrada em vigor da Lei 11.382/2006, que instituiu o bloqueio de valores em contas bancárias pela Justiça por meio do sistema BacenJud. “Entendendo-se que a penhora online é viável mesmo sem o prévio esgotamento de outras formas de constrição, tornou-se do executado o ônus de demonstrar a gravosidade da medida”, observa.

A Lei 11.382 alterou o Código de Processo Civil ao definir o dinheiro, em espécie ou em aplicação financeira, como prioritário entre os bens a serem penhorados, de acordo com o artigo 655 da norma. O artigo 655-A permitiu aos juízes solicitarem diretamente aos bancos as informações dos devedores, para determinar os bloqueios.

O entendimento, que ganha campo na Justiça, se deve, de acordo com Conrado, a um precedente aberto em 2010 pelo Superior Tribunal de Justiça. Ao julgar o Agravo Regimental no Agravo 1.230.232, relatado pelo hoje aposentado ministro Hamilton Carvalhido, a 1ª Turma da corte sacramentou: "Após as modificações introduzidas pela Lei 11.382/2006, o bloqueio de ativos financeiros pelo sistema BacenJud prescinde do esgotamento das diligências para a localização de outros bens passíveis de penhora".

Na prática, a decisão desidratou o artigo 620 do Código de Processo Civil, que institui o “princípio da menor onerosidade” ao prever que, “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

“Acaso o bloqueio de saldo em conta bancária gere, para o executado, um encargo insuportável, comprometendo, por exemplo, o pagamento de seus compromissos ordinários, a ele, e apenas a ele, caberá alegar e provar tal situação”, afirma o juiz. “Teorica e pragmaticamente, o referido ‘princípio’ deixa de oficiar como uma espécie de diretriz interpretativa geral, passando a operar como uma técnica.”

Para o tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, o Código Tributário Nacional é claro ao prever que a penhora online só deve ser determinada se o devedor não apresentar outros bens. “O artigo 185-A do CTN é lei especial para a matéria tributária, à qual o CPC só se aplica em caráter subsidiário”, lembra. “A execução fiscal deve ser garantida de forma equânime para as partes: assegurando o pagamento da dívida à Fazenda caso o contribuinte saia vencido, mas sem o onerar excessivamente até lá. Mesmo porque, e isso parece meio esquecido, ele também pode sair vencedor nos embargos.”

A inversão de valores pode causar estragos permanentes, afirma o tributarista André Luiz Andrade dos Santos, do Tostes e Associados Advogados. “A preocupação é maior quando o fisco se utiliza do expediente da cautelar fiscal, em que o bloqueio online é uma constante e raramente o executado consegue substituir o montante penhorado por outros bens”, explica. “Somam-se ainda as restrições do fisco quanto à utilização do seguro-garantia, os prazos maiores que a Fazenda tem para recorrer e o redirecionamento indiscriminado de execuções em face de ex-diretores e ex-gerentes como fatores que desequilibram a relação juridico-processual em desfavor do executado.”

De acordo com a advogada Mariana de Rezende Loureiro Almeida Prado, do Almeida Prado, Calil Advocacia, o uso da penhora online é mais indiscriminado em varas judiciais de comarcas pequenas, sem especialização em matérias fiscais. "Nas comarcas com foro fiscal especializado, na maior parte dos casos, é possível alcançar a penhora sobre outros bens que não o dinheiro. Já nas comarcas pequenas, a técnica é temerária", afirma.

Para Camila Vergueiro Catunda, do Vergueiro Catunda Advogados, que esteve presente à palestra do juiz Paulo Conrado na última quinta-feira (18/10), embora o palestrante tenha defendido que os juízes devem, no mínimo, confirmar se o devedor ofereceu bens à penhora, a prática nos fóruns tem sido diferente. "Muitos juízes já deferem a penhora online antes mesmo da citação do executado, e isso o CPC não prevê", alerta.

Camila, que é professora no IBET, defende uma aplicação conjugada, e não excludente, do CTN e do CPC. "Constatando o magistrado que as condições do artigo 185-A do CTN não se perfizeram, pode se socorrer da regra do CPC", sintetiza. "Essa é uma exigência no processo tributário imposta pelo CTN que não sofreu qualquer interferência da regra do CPC, que se aplica a todas as demais execuções, menos a fiscal."

[Notícia alterada em 23 de outubro de 2012, às 15h34, para acréscimo de informações.]

Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2012