sábado, 18 de fevereiro de 2012

JUÍZA ACIONA MP CONTRA ADVOGADA QUE, DURANTE JULGAMENTO, MANDOU ELA ESTUDAR


Juíza aciona MP contra advogada que mandou que ela voltasse a estudar. Juristas ouvidos por ZH avaliam a polêmica atuação da defesa de Lindemberg Alves no júri que condenou o motoboy a mais de 98 anos de prisão e criticam a sentença - Elton Werb, ZERO HORA ONLINE, 17/02/2012 | 21h26

A condenação, na quinta-feira, do motoboy Lindemberg Alves a 98 anos e 10 meses pelo assassinato de sua ex-namorada, Eloá Cristina Pimentel, e a tentativa de homicídio contra outras duas pessoas (a amiga de Eloá, Nayara Rodrigues, e um policial militar) continua tendo desdobramentos.

Nesta sexta-feira, a juíza Milena Dias, que presidiu o júri de Lindemberg, solicitou ao Ministério Público de São Paulo para que tome providências contra a advogada do motoboy, Ana Lúcia Assad, por comportamento "desrespeitoso". A juíza entendeu que Ana Lúcia agiu de maneira jocosa e atentou contra sua honra pessoal quando sugeriu, durante o julgamento, que ela deveria "voltar a estudar".

Por outro lado, a sentença aplicada pela juíza foi bastante criticada por juristas e advogados consultados por Zero Hora. Segundo eles, a pena extrapolou os limites previstos no próprio Código Penal, foi desproporcional à gravidade do crime e deve ser revista.

O incidente entre a juíza e a advogada ocorreu quando Milena, alegando que o tempo regimental da defesa já havia se esgotado, recusou um pedido de Ana Lúcia para fazer uma nova pergunta a uma testemunha. A advogada apelou então para um conceito jurídico chamado "verdade verdadeira", ou "real".

Esse princípio determinada que, numa ação criminal, o juiz precisa sempre se empenhar ao máximo para chegar o mais próximo possível ao que efetivamente aconteceu. Milena alegou que não conhecia tal princípio. Ana Lúcia respondeu: "Então, a senhora devia ler mais. Voltar a estudar".

Confira a opinião de três juristas ouvidos por ZH sobre três pontos polêmicos no julgamento de Lindemberg Alves:


ANDRÉ PERECMANIS, advogado e professor de Direito Penal

Verdade real - Numa certa medida, é um norte para a atuação das partes, algo que vai balizar a sua atuação. Juízes, promotores e advogados devem tentar trazer para o processo todos os elementos que possam reproduzir os fatos da maneira mais próxima ao que aconteceu para se chegar a uma solução justa. Mas é algo que provoca muita discussão. Muitos estudiosos dizem que é um mito, que nunca é possível estabelecer o que efetivamente aconteceu.

Atuação da advogada - Não sei se eu agiria da mesma forma, mas entendo a reação dela. Se numa audência normal um advogado fizesse uma declaração daquelas, certamente seria algo bastante ofensivo. Mas o Tribunal do Júri tem suas particularidades. O próprio Código Penal prevê o direito a apartes, o promotor interrompe a sustenção da defesa, a defesa interrompe o promotor. Os debates tendem a ser mais acolarados, e às vezes essas altercações podem acontecer. Mas devem ser sempre colocadas de lado.

A pena - Alguns argumentos da juíza me pareceram bastante equivocados. A Constituição prevê claramente que a pena deve ser justa para cada caso e para cada condenado. A juíza colocou esse homicídio no grau máximo de reprobabilidade, como se não pudesse haver nada mais grave. Numa comparação, só pela morte da Eloá (sem contar as tentativas de homicídio), Lindemberg recebeu uma pena maior do que a aplicada ao casal Nardoni, num caso que envolveu o assassinato de uma criança pelo pai e pela madrasta, ou a imposta ao traficante Elias Maluco, que matou o jornalista Tim Lopes com requintes de crueldade.


JOSÉ ANTÔNIO PAGANELLA BOSCHI, desembargador aposentado, advogado criminalista

Verdade real - Quando a juíza disse que não existe o princípio da verdade real, para mim ela demonstrou que conhece os debates atuais que consideram esse conceito superado, algo a ser abandonado. Na PUCRS, onde eu leciono, se trabalha muito nessa linha de pesquisa. Ela defende que o processo não é o lugar para o juiz estabelecer a verdade definitiva, porque o processo é sempre uma tentativa de reconstituição histórica dos fatos. A verdade do processo será sempre a verdade possível, nunca a verdade real.

Atuação da advogada - Fui promotor do júri em Porto Alegre durante quase 10 anos e posso dizer que, quando há um julgamento tão intenso como esse, com grande repercussão na mídia, a tendência é se estabelecer um ambiente muito emotivo e é até natural que haja um debate mais acalorado entre advogados e promotores. A meu ver, faz parte do jogo. Não acho que represente desrespeito nem que tenha influenciado a sentença. No caso específico, se eu estivesse no lugar da advogada e tivesse negado o direito de fazer uma pergunta, faria constar na ata do julgamento que a juíza estava cerceando o direito de defesa. Se perdesse a causa, pediria a anulação do júri por violação da garantia constitucional do réu.  

A pena - Foi claramente acima daquilo que as regras dos tribunais recomendam. De certa forma, é indiferente, porque no Brasil ninguém cumpre mais de 30 anos de prisão, não importando o tamanho da pena. O problema é que os benefícios permitidos pela lei de execuções penais, como a progressão para o regime semiaberto, serão aplicados sobre os 98 anos e 10 meses.


NEREU LIMA, advogado criminalista, ex-presidente da OAB-RS

Verdade real - O importante num júri é manter o foco no principal, que é o direito do réu a um julgamento justo. Num estado democrático de direito, para que haja uma condenação, o réu deve ter respeitado todos os seus direitos, principalmente a ampla possiblidade de defesa. Se a advogada se sentiu cerceada no cumprimento da profissão, tinha todo o direito de protestar e assegurar suas prorrogativas de ampla defesa.

Atuação da advogada - A avaliação cabe à OAB de São Paulo, mas em tese haveria crime contra a honra da juíza, cabendo ao Ministério Público oferecer denúncia ou não contra a advogada. Cada um tem o seu estilo e um advogado tem obrigação de se valer de todos os recursos que não sejam imorais ou ilegais para defender o seu cliente. Mas, independentemente do caso, jamais é boa estratégia confrontar o juiz. Não é bom nem para o advogado nem para a busca de um resultado justo. Além disso, temos um código profissional que nos obriga a tratar com respeito as outras partes, assim como é direto do advogado ser tratado com respeito pelo juiz e pelo promotor.

A pena - Quem decide se o réu é culpado ou inocente são os jurados, mas quem estabelece a pena é o juiz, limitado por parâmetros expressos na lei, que levam em consideração os antecedentes, a conduta social, a personalidade e outros fatores. Basta que o réu preencha um só desses requesitos para que não receba a pena máxima. E essa sentença extrapolou todas as balizas previstas no Código Penal. A magistrada parece que procurou dar uma satisfação à sociedade quando deveria ficar imune a esse quadro emocional. Na minha opinião, a pena não se sustenta nesse patamar elevado e é passível de modificação.


As duas verdades da Justiça

Verdade real - No processo criminal, pela gravidade das implicações e consequências, juiz, promotoria e defesa devem sempre se empenhar ao máximo para chegar o mais próximo possível do que aconteceu. Se necessário, o juiz deve tomar a iniciativa de requisitar novas provas, pedir novas diligências, ouvir mais testemunhas e adotar todas as medidas que considerar necessárias para se aproximar do que efetivamente aconteceu e, assim, chegar a uma sentença de acordo com os fatos.

Verdade formal - Usada em processos civis, estabelece que o juiz decidirá a causa de acordo apenas com o que as partes apresentarem para ele. Não precisa tomar a iniciativa de requisitar provas. Numa ação de despejo, por exemplo, se a pessoa não juntar os documentos necessários, o juiz não irá atrás desses documentos. Se limitará a julgar a ação improcedente por falta de documentação.

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