domingo, 12 de fevereiro de 2012

VIGIAR É OBRIGAÇÃO DOS CONSELHOS DE JUSTIÇA E DO MP


ENTREVISTA. “Os conselhos de Justiça e do MP têm obrigação de vigiar”. Eduardo de Lima Veiga - Procurador-geral de Justiça - ADRIANA IRION, ZERO HORA 12/02/2012

No comando do Ministério Público há 10 meses, Eduardo de Lima Veiga, 49 anos, defende que mais autoridades sejam alvo de vigilância pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Para ele, promotores, juízes, desembargadores e deputados deveriam ter seu negócios bancários vigiados pelo órgão, que é responsável por avisar movimentações atípicas. E ser atípica, lembra Lima Veiga, não quer dizer que seja decorrente de ato criminoso. É uma movimentação fora do padrão.

Zero Hora – O combate à corrupção é foco de uma guerra no Judiciário. O senhor entende que os conselhos nacionais da Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) devem ter poder para investigar independente de apurações locais?

Eduardo de Lima Veiga – Os conselhos devem ter esse poder porque há, muitas vezes, um constrangimento das corregedorias e dos órgãos colegiados encarregados de fazer a apuração em relação a seus pares. Não é o caso do Rio Grande do Sul, mas há constrangimento.

ZH – O senhor entende que houve excessos na atuação da corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, quando pediu para verificar movimentações financeiras de membros e servidores da Justiça?

Lima Veiga – Não houve excesso nem quebra de sigilo. O Coaf foi criado para isso, para dar essas informações (sobre movimentações financeiras), está cumprindo lei que trata de combate à corrupção. A convenção da ONU determina que os países-membros façam e mantenham vigilância sobre as pessoas politicamente expostas. Os conselhos de Justiça e do MP têm obrigação de vigiar.

ZH – Isso não invade a privacidade?

Lima Veiga – Não. Esse debate sobre privacidade é o mesmo que o Supremo já vem apreciando em conflito com a liberdade de imprensa. Quando direitos de mesma importância constitucional conflitam, há de se fazer uma ponderação e resolver no caso concreto qual direito prevalece. Por exemplo: até que ponto a minha privacidade conflita com a liberdade de imprensa, até que ponto sou notícia ou não? Quando a pessoa se coloca nessa posição, quando passo a ser servidor público, me coloquei em situação de renúncia à parte da minha privacidade. Se me torno procurador-geral, não posso ter os mesmos direitos que tu tens no resguardo da tua privacidade.

ZH – Essa vigilância funciona no Brasil para as pessoas politicamente expostas? O senhor é vigiado?

Lima Veiga – Me parece que os bancos não estão atentos a isso. Será que estão verificando a conta da minha mulher? E dos meus “estreitos colaboradores”, que estão citados no decreto do Coaf? Os meus subprocuradores e as mulheres e os filhos deles estão sendo vigiados?

ZH – O senhor entende que eles deviam ter suas movimentações financeiras vigiadas?

Lima Veiga – Evidente. Isso deveria ser estendido a todos promotores, todos magistrados, todos deputados e vereadores. Um vereador que vota uma concessão de serviço público ou vota numa lei não está politicamente exposto? O deputado não está?

ZH – Autoridades resistem a dar explicações, a serem investigadas. O senhor defende que todos tenham as contas monitoradas como mais uma ferramenta de combate à corrupção?

Lima Veiga – Sim. Em países desenvolvidos, já se entende que o sistema bancário é a via por onde transita o dinheiro do crime organizado e do terrorismo. O deputado, quando vota, está politicamente exposto ou não? Ou um promotor, que vai fazer uma ação civil pública? O juiz que julga uma ação milionária? Essas pessoas precisam estar sendo controladas ou não? É evidente que precisam.

ZH – É preciso mudar a lei para ampliar o leque de “pessoas politicamente expostas”?

Lima Veiga – Basta mudar a resolução do Coaf, que foi tímida ao definir, em 2007, quem são as pessoas politicamente expostas. E esse trabalho (o de vigilância de movimentações financeiras) não custa nada para o Estado. São os bancos que têm de fazer as comunicações ao Coaf, que depois remete informações às autoridades.

ZH – A corregedoria do Ministério Público funciona?

Lima Veiga – Sim. Temos hoje 10 processos administrativos disciplinares, dois inquéritos administrativos e 36 expedientes investigatórios em andamento. Em 2011, foram julgados sete processos administrativos, sendo que, dos seis penalizados, três tiveram pena máxima, que é de suspensão.

ZH – Suspensão é a pena máxima. Não tem demissão?

Lima Veiga – Sim, tem demissão. Entretanto, é necessário uma decisão judicial cível ou criminal que a determine.

ZH – O MP tem aposentadoria compulsória como o Judiciário?

Lima Veiga – Não. O que tem é demissão a partir de decisão judicial. Antes disso, pode ter pena de suspensão de até 90 dias, período que não conta como tempo de serviço e pelo o qual o membro não recebe vencimentos.

ZH – Há investigações de membros do MP gaúcho no Conselho Nacional do MP?

Lima Veiga – Já houve, mas eram casos de promotores condenados administrativamente no Estado e que recorreram da decisão buscando absolvição. Não há caso que tenha ido para o CNMP por falta de ação da corregedoria gaúcha.


Saiba mais

"Até que ponto a minha privacidade conflita com a liberdade de imprensa? Quando a pessoa se coloca nessa posição, quando passo a ser servidor público, me coloquei em situação de renúncia à parte da minha privacidade. Se me torno procurador-geral, não posso ter os mesmos direitos que tu tens no resguardo da tua privacidade".

"O deputado, quando vota, está politicamente exposto ou não? Ou um promotor, que vai fazer uma ação civil pública? O juiz que julga uma ação milionária? Essas pessoas precisam estar sendo controladas ou não? É evidente que precisam".

PESSOAS POLITICAMENTE EXPOSTAS: Entenda o conceito

- Em 2003, a ONU aprovou convenção em que define a vigilância relativa a pessoas politicamente expostas. O Brasil foi signatário.

- Em 2007, o Coaf emitiu resolução definindo que cargos se enquadram na definição legal de pessoa politicamente exposta: São elas, entre outras: governadores, prefeitos, deputados federais, ministros, membros do STF, dirigentes de órgãos e empresas estatais e presidentes de Tribunal de Justiça e Assembleia Legislativa.

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