segunda-feira, 13 de agosto de 2012

ANJOS DA GUARDA DOS MINISTROS DO STF

G1 JULGAMENTO DO MENSALÃO, 13/08/2012 13h41

Saiba quem são os capinhas, 'anjos da guarda' dos ministros do STF

Assistentes ajudam a vestir togas, servir café e transportar processos. Capa preta sobre os ombros originou expressão que designa auxiliares.

Fabiano Costa Do G1, em Brasília

Esqueça a túnica branca e as auréolas sobre a cabeça. No Supremo Tribunal Federal (STF), os "anjos da guarda" dos 11 ministros e do procurador-geral da República vestem terno, gravata, uma capa de cetim preto que cobre metade das costas e atendem, informalmente, pelo nome de "capinhas".

Os assistentes de plenário da mais alta corte do país, vários deles estudantes e outros já bacharéis em Direito, fazem parte de um restrito grupo, responsável por auxiliar os magistrados e o chefe do Ministério Público em meio aos julgamentos. Dos 12 capinhas do Supremo, apenas quatro são servidores. Os demais assessores são terceirizados. Seus salários oscilam entre R$ 2,5 mil e R$ 11,7 mil por mês, sem contar as horas extras.

Auxiliares dos ministros do Supremo. Entre as funções deles estão vestir togas, servir café e transportar processos (Foto: Imprensa / STF)Auxiliares dos ministros do Supremo. Entre as funções deles estão vestir togas, servir café e transportar processos (Foto: Imprensa / STF)
 
Sentados às costas dos ministros, os assessores ficam de prontidão para atender os integrantes do tribunal. São eles quem organizam os livros dos magistrados em pequenas estantes no plenário, carregam documentos e votos, arquivam memoriais entregues pelas defesas e providenciam cópias de pareceres e petições.

Também faz parte do rol de tarefas dos assistentes servir água e café, ajudar a vestir as togas, entregar bilhetes e, inclusive, puxar as poltronas de couro amarelo para os magistrados sentarem. A convivência quase diária com os ministros permite que eles conheçam, como poucos, os gostos e as manias dos juízes da Suprema Corte. Não raras vezes, os auxiliares reconhecem os pedidos dos chefes por um gesto ou olhar.

Na maratona de sessões do julgamento dos 38 réus do mensalão, o capinha mais requisitado é o assistente do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa. Com um problema crônico no quadril, o magistrado senta e levanta constantemente para tentar amenizar as dores.

A um simples sinal dos dedos da mão esquerda do relator, o auxiliar Fábio Júnior, 33 anos, corre para o tablado do plenário reservado aos ministros. Em movimentos sincronizados, o capinha puxa a cadeira ergonômica de Barbosa, se agacha para retirar o suporte de madeira para os pés e busca a poltrona de couro do magistrado, que costuma ficar estacionada em um canto do recinto.

Barbosa utiliza o assento de uso restrito dos ministros somente como apoio para ficar em pé. Quando ele cansa da posição, seu capinha se apressa a fazer novamente os mesmos movimentos, só que em sentido contrário. Fábio repete a ginástica no plenário de três a cinco vezes por sessão.

Nas poucas oportunidades em que o assistente não está à volta de Barbosa, os colegas não se esquivam de auxiliar o ministro. Com inúmeras atribuições, os capinhas se valem da parceria para evitar que colegas sejam repreendidos. Apesar do esforço, as broncas são inevitáveis.

"Há um enfoque de união entre os assistentes de plenário. Por exemplo, se alguém esquece de trazer um documento, o colega passa na hora. Invariavelmente, falta alguma coisa. E sempre que isso acontece, é justamente o material que o ministro acaba pedindo", conta um assessor do STF.

Segundo assistentes ouvidos pelo G1, os magistrados mais exigentes da Corte são os ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Celso de Mello. O trio costuma ser minucioso com a categoria.

Há 22 anos no Supremo, Marco Aurélio é quem mais cobra disciplina dos capinhas. O ministro, relatam os assessores de plenário, está sempre atento para eventuais deslizes, como usar uma veste inadequada ou sentar na cadeira de um magistrado.

"Procuro guardar a liturgia do cargo, uma certa cerimônia. Sou uma pessoa muito humana e solidária, principalmente, com os que trabalham comigo. Mas sou rigoroso com a forma", afirmou Marco Aurélio ao G1.

Há um enfoque de união entre os assistentes de plenário. Por exemplo, se alguém esquece de trazer um documento, o colega passa na hora. Invariavelmente, falta alguma coisa. E sempre que isso acontece, é justamente o material que o ministro acaba pedindo"
 
Assessor de um dos ministros do Supremo
 
Mesmo preciosista, o ministro é reconhecido pelos capinhas por valorizar seus subordinados. É o único de que se tem notícia no tribunal que já promoveu dois assistentes de plenário a chefe de gabinete, incluindo seu atual braço-direito no STF.

Marco Aurélio diz ser importante dar oportunidades para as “pratas da casa". "Eles [os capinhas] são a ponte entre o gabinete e o plenário. Essas promoções foram apenas o resultado da dedicação deles", explicou.

Em outros tempos, lembram os assistentes, o título de magistrado linha dura do Supremo pertencia ao ex-ministro Carlos Alberto Menezes Direito, morto em 2009 devido a complicações no pâncreas.

Mais antigo capinha em atividade no STF, Cézar Antônio Fortaleza, auxiliar de plenário do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirma que o Menezes Direito era "exigente e formal". O assessor atua no plenário da Suprema Corte há 16 anos.

"Você não podia estar com o paletó aberto que ele chegava e pedia, por favor, para fechá-lo. O ministro também não gostava que os capinhas retirassem a toga dos magistrados dentro do plenário. Sempre enfatizava que os ministros deviam entrar togados e sair togados", destacou o decano dos assistentes.

Outros capinhas recordam que Menezes Direito costumava chamar a atenção dos auxiliares de plenário que liam livros ou jornais durante as sessões. "O ministro argumentava que não era o local e o momento adequado", disse um assessor.

Um auxiliar de plenário, por acidente, derrubou um copo de’água sobre o colo do ex-ministro Sepúlveda Pertence em plena sessão. O banho foi tão grande que chegou a ensopar o computador do magistrado.
 
Trapalhadas no plenário

Na história recente do Supremo, capinhas protagonizaram episódios que entraram para o folclore do tribunal. Houve uma vez em que o assistente do então ministro Eros Grau puxou a cadeira para o magistrado levantar e, em um momento de distração, não percebeu que o chefe mudou de ideia e resolveu se sentar de novo. Sem assento, o ministro, que se aposentou em 2010, foi ao chão.

Em outra ocasião, um auxiliar de plenário, por acidente, derrubou um copo de’água sobre o colo do ex-ministro Sepúlveda Pertence em plena sessão. O banho foi tão grande que chegou a ensopar o computador do magistrado.

Os documentos que os capinhas transportam dos gabinetes ao plenário também já geraram confusão. Em certa ocasião, o assistente do ministro Dias Toffoli entregou o relatório do processo errado para o magistrado ler em plenário. A falha só foi descoberta no momento em que o advogado do caso advertiu Toffoli sobre o engano.

Togas em movimento
Nem todos os ministros do Supremo têm paciência para aguardar que os assistentes de plenário os vistam com a toga, uma capa de cetim preto, comprida, usada pelos magistrados durante os julgamentos. Para fixá-la e retirá-la, o assistente tem de atar ou desamarrar duas fitas nas costas do juiz.

Na última semana, ao ser anunciado o intervalo de uma das sessões da análise do processo do mensalão, o ministro Antonio Dias Toffoli saiu em disparada para o salão branco, contíguo ao plenário, com seu capinha a tiracolo, tentando desvencilhá-lo da vestimenta.

Por outro lado, há os magistrados que ao vestir ou tirar a toga se preocupam com a estética. Capinhas que conversaram com o G1 revelaram que muitos ministros salientam para os assessores tomarem cuidado para não estragar seus penteados ou bater em seus óculos.
Assessores dos ministros contam que se ajudam no trabalho do dia a dia. Se um deles descobre que o chefe vai levar à discussão um processo que não estava previsto, avisa os demais para se prevenirem e deixarem os autos em local de fácil acesso (Foto: Imprensa / STF)Assessores dos ministros contam que se ajudam no trabalho do dia a dia. Se um deles descobre que o chefe vai levar à discussão um processo que não estava previsto, avisa os demais para se prevenirem e deixarem documentos relativos aos autos em local de fácil acesso (Foto: Imprensa / STF)
 
Legado Jobim

Presidente do Supremo entre os anos de 2004 e 2006, o ex-ministro Nelson Jobim é reverenciado até hoje pelos capinhas por ter facilitado a atarefada rotina dos assistentes de plenário. Até então, como não havia uma cronograma de julgamentos, os auxiliares eram obrigados a carregar pilhas e pilhas de documentos para se precaver caso um processo fosse colocado em pauta inesperadamente.

Durante o mandato do magistrado gaúcho, porém, a Corte implantou uma nova sistemática, passando a disponibilizar na internet os calendários de julgamento. Os assistentes de plenário brincam que o trabalho da categoria se divide em antes e depois da gestão Jobim. "Essa medida facilitou em grande escala o trabalho do assistente de plenário", afirmou Jackson Alessandro de Andrade, que há oito anos atua como capinha do ministro Gilmar Mendes.

Já nas duas turmas do Supremo, apesar das tentativas de se implantar os calendários prévios, até hoje os auxiliares não sabem quais processos serão julgados nas tardes de terças-feiras, quando ocorrem os encontros desses colegiados.

Para evitar serem pegos de surpresa, eles montaram uma rede interna de informações. Quando um assistente fica sabendo que o chefe irá colocar um processo em pauta, dispara um alerta para os demais colegas terem tempo de correr atrás de pareceres do Ministério Público e memoriais de advogados antes do início da sessão. Os documentos subsidiam os magistrados durante os julgamentos.

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