sábado, 13 de outubro de 2012

A TEORIA DO BARÃO

 
ZERO HORA ,13/10/2012. ARTIGOS

Jayme Eduardo Machado*


Faz 40 anos, um ministro do Supremo Tribunal Federal despiu a toga e jogou-a sobre a mesa, abandonando acintosamente o plenário para nunca mais lá retornar. Corria o ano de 1971, a ditadura militar se afirmava e Adauto Lucio Cardoso indignou-se porque seus pares julgaram constitucional a lei de censura prévia patrocinada pelo governo Médici. A imagem solitária desse episódio histórico resume-se ao flagrante colhido pelo fotógrafo da casa, sem constar explicitamente na ata da sessão.

Portanto, sob o enfoque da publicidade de seus atos, já dá para dimensionar o avanço daquela casa como transparente defensora da democracia, do Estado de direito e da Constituição. Uma instituição que julgava não raro por encomenda e às ocultas, ameaçada pelas sombras da cassação de seus membros – e aconteceram três – projetadas pelos ocupantes da casa do outro lado da praça dos Três Poderes – que na verdade era só um –, hoje expõe pela televisão, e em tempo real, as motivações dos atos decisórios de seus ministros. Portanto, eles podem julgar a todos os submetidos a sua jurisdição, e o povo avaliá-los pelo desempenho. Diga-se, por oportuno, como nunca antes na história deste país. Conseguimos, enfim, recolocar, na prática, aquilo que o Barão de Montesquieu idealizou: a separação dos poderes, independentes e harmônicos entre si. O rei no palácio, os juízes no tribunal e os legisladores no parlamento.

Pois hoje constatamos que são réus na Ação Penal 470 justamente aqueles – não todos, é claro, e essa ressalva pode ser interpretada à vontade – que lutaram para que essa tripartição voltasse a prevalecer. Quer dizer, os que, para a preservação dos poderes da República e o exercício das liberdades democráticas, lutaram contra o autoritarismo do Executivo esmagando os demais. E são acusados exatamente por atentado à independência de um dos poderes de Estado – no caso, o Legislativo. Cujos membros devem expressar, por direito constitucional de representação, a vontade livre dos cidadãos que os elegerem. E não necessariamente, e, muito menos submeter-se “argentariamente” – expressão de Ayres Brito – aos interesses do Executivo, como parece ter acontecido.

Mas, se aprofundarmos um pouco a análise da História, vamos constatar que, desde o seu lançamento, a teoria de separação dos poderes apresentou um problema insolúvel, mas que ajuda na compreensão do que transformou em réus os que ascenderam ao governo pela derrubada da ditadura. É que o poder governamental dificilmente pode ser controlado a ponto de impedir que seus agentes extrapolem seus limites e acabem – na ânsia de perpetuar-se –, corrompendo os valores institucionais que antes precisaram restabelecer para a ele legitimamente chegar. Paradoxal mas verdadeiro.

E, por fim, não podemos esquecer que foi a desconfiança nos “magistrados do rei” em tempos de absolutismo, que deu causa ao endurecimento daquela teoria. Por isso, se no Supremo de hoje, insubmisso a outro poder, nenhum magistrado teria por que despir a toga pelo motivo do Adauto, há quem pense que a minoria bem que poderia despi-la, se não por outras, no mínimo pela incapacidade de conviver com a teoria do barão.


*Jornalista, ex-subprocurador-geral da República

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