domingo, 14 de outubro de 2012

LIÇÕES DO MENSALÃO DEVEM REFLETIR NA JUSTIÇA E NA POLÍTICA BRASILEIRA

ZERO HORA 14 de outubro de 2012 | N° 17222

A HORA DA DECISÃO. As lições jurídicas do mensalão. Decisões do Supremo devem ter reflexo em toda a Justiça brasileira

GUILHERME MAZUI | Brasília

Com 25 dos 37 réus condenados até o momento, o julgamento do mensalão deixará reflexos na interpretação das leis e na forma de fazer política no Brasil. Apesar de ser cedo para determinar o impacto das decisões do Supremo Tribunal Federal, juristas acreditam que as punições poderão ter caráter pedagógico para inibir a corrupção em um país desacostumado a ver políticos condenados.

Doutor em Direito e procurador de Justiça, Lenio Streck vê um “Brasil AM/DM” – antes e depois do mensalão. A análise se baseia no tamanho e complexidade do julgamento, o maior da história do Supremo, mas também na jurisprudência que a Corte vem imprimindo para crimes de corrupção, com provável efeito na primeira e segunda instâncias.

No caso da corrupção passiva, o STF deixou de exigir a comprovação do ato de ofício, ou seja, a atitude que o servidor comete em troca de uma vantagem indevida – no caso do mensalão, o ato de votar a favor do governo após suborno. O ato de ofício consiste no grupo de atividades que o servidor realiza pela natureza da sua função. Os ministros entenderam que o simples fato de o servidor receber pagamento indevido já o incrimina, mesmo que a ação ou omissão ainda não tenha ocorrido.

– É uma posição correta. Um dos atos de ofício do servidor é ser ético e moral – diz Streck.

Outra interpretação inovadora é a teoria do domínio do fato, empregada para condenar José Dirceu. Pela lógica, o autor do crime não é apenas quem executa a ação, mas aquele que, pela posição que ocupa, não poderia negar o conhecimento dos fatos. Na ausência de provas contundentes, o Supremo levou em conta o contexto criado pelas demais provas.

Segundo o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Ficha Limpa, o STF costumava ser conservador ao aplicar este conceito. Isso permitia às defesas levantar argumentos que poderiam deixar os ministros em dúvida em relação ao real conhecimento por parte dos réus dos crimes – tal interpretação resultou na absolvição do ex-presidente Fernando Collor:

– É um avanço responsabilizar aquele que tinha o dever de impedir o acontecimento e que estava numa posição institucional que não lhe permite negar o conhecimento do fato.

Lenio Streck, porém, considera perigoso o emprego sem freio do domínio do fato:

– Se a teoria for utilizada sem a exigência do nexo causal, poderemos provar qualquer coisa. Quem vai cuidar dos excessos de rigor praticados nos diversos cantos do país?

Para o professor de Direito da FGV-Rio, Thiago Bottino, o julgamento também terá consequências comportamentais. Ao condenar políticos e banqueiros, a Corte dá um aviso: a democracia precisa ser fundamentada na ética.


Especialistas apontam riscos

O rigor que o STF está aplicando a crimes de corrupção é alvo de ressalvas de criminalistas. Advogados apontam que a Corte vem ignorando garantias constitucionais.

Os defensores criticam o STF por dar dimensão exagerada às provas obtidas no inquérito policial, em detrimento das colhidas na fase judicial. Outra ressalva remete ao uso de indícios no lugar de provas.

– Em alguns momentos, você condena a partir de um raciocínio. No entanto, algumas condenações são raciocínios sobre indícios, o que é uma renúncia à prova plena – diz Evandro Duarte, professor de Direito da UnB.

Advogado da ré Simone Vasconcelos, Leonardo Yarochewsky vê um exagero no uso de indícios, em especial sobre a teoria do domínio do fato, que acabou punindo Dirceu:

– Ninguém pode ser condenado em razão do cargo ou da posição que ocupa. Independentemente da teoria, é necessário ter provas.

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