sexta-feira, 26 de outubro de 2012

CRIME E CASTIGO

26 de outubro de 2012 | 3h 09


OPINIÃO O Estado de S.Paulo


Perto dos lenientes padrões penais brasileiros, no caso dos chamados crimes de colarinho branco, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o operador do mensalão, a um total de 40 anos, 1 mês e 6 dias de prisão e ao pagamento de multas que somam, em valores não corrigidos, R$ 2,783 milhões, chama a atenção por seu caráter literalmente excepcional. Mas não deveria surpreender. Em primeiro lugar, porque - sempre por unanimidade - o publicitário havia sido condenado três vezes por corrupção ativa, duas vezes por peculato, uma vez por lavagem de dinheiro e uma vez por evasão de divisas. Foi ainda condenado, dessa vez por 6 votos a 4 - por formação de quadrilha (ao lado de nove outros acusados, entre eles o trio José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares). Não é pouca coisa.

Em segundo lugar, as penas são compatíveis com a enormidade dos delitos cometidos. A cada rodada do julgamento, não só o relator Joaquim Barbosa, mas ministros como Carlos Ayres Britto, presidente da Corte, o decano Celso de Mello e seus pares Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello revezaram-se em expor o que a singularidade do mensalão representou em termos de agressão à sociedade, à ordem republicana, ao Estado Democrático de Direito e à Constituição que os consagra. O STF, no entender de quase todos os seus integrantes, não se pronunciava apenas sobre o "conjunto probatório" que levaria à condenação por ilícitos diversos 25 dos 37 réus da Ação Penal 470. Os fatos falavam também, de forma ainda mais ensurdecedora, da fria determinação dos seus principais protagonistas de corromper o sistema político nacional, em escala sem precedentes, para promover a perpetuação do PT no poder. Impossível deixar de ouvi-los e tirar as consequências inexoráveis na esfera judicial.

Em terceiro lugar, dando a medida do cuidado da Corte em deixar claro perante a opinião pública que as penas aplicadas não constituíam uma extravagância jurídica nem um transbordamento punitivo, ministros procuraram explicar com argumentos o quanto possível ao alcance do público leigo por que estavam condenando Valério a tanto ou quanto tempo de cadeia, conforme a natureza dos seus ilícitos e as prescrições do Código Penal. Independentemente disso, as penas por corrupção ativa a que foi sentenciado o provedor do mensalão ainda poderão ser modificadas se o tribunal entender que, no caso dos seus contratos com a Câmara dos Deputados e o Banco do Brasil, não foram dois os crimes, mas a repetição de um mesmo - "continuidade delitiva", em linguagem técnica. Por fim, é certo que o empresário não mofará, como se diz, no cárcere. Nem esse é o cerne da questão.

O célebre jurista italiano Cesare Beccaria (1738-1794) ensinou que o tamanho do castigo conta menos do que a certeza da punição para coibir a reincidência do crime e a difusão de sua prática. Ainda mais quando não podem pairar dúvidas sobre a legitimidade das sentenças proferidas. O mensalão foi julgado pelo corpo da mais alta instituição do Judiciário, em sessões que podiam ser acompanhadas por todos os brasileiros, sob a égide da pluralidade e do contraditório. As desavenças entre o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski talvez tenham ido além do que as suas togas haverão de tolerar, mas foram eloquentes como exemplo da independência da Corte. É um escárnio, portanto, o mentor e mandante do esquema, José Dirceu, condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha - pelo que poderá pegar de 3 a 15 anos de reclusão -, declarar-se desde logo "prisioneiro político de um tribunal de exceção".

Cinicamente, quer que o vejam reencarnado no papel do líder estudantil de oposição que um regime de força baniria do País, cassando-lhe a cidadania. Quer também que se esqueça que oito dos ministros do STF foram indicados pelos presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Dirceu não vê a hora de as eleições municipais chegarem ao fim para desencadear uma campanha de descrédito do Supremo Tribunal. Faça o barulho que fizer, o processo de autodepuração da jovem democracia brasileira seguirá adiante, renovando suas forças a cada nova vitória como esta que acaba de conquistar.

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