sexta-feira, 7 de setembro de 2012

DOMÍNIO DOS FATOS






07 de setembro de 2012 | 3h 05

DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo

Os ministros do Supremo Tribunal Federal têm se notabilizado pela nitidez na forma e no conteúdo de seus votos, em atendimento ao sagrado direito do público de entender o que está em jogo no julgamento do processo do mensalão.

Portanto, é sem prejuízo do reconhecimento a esse esforço do colegiado que se constata a clareza solar do ministro Luiz Fux por ocasião de duas manifestações nos primeiros dos sete itens a serem examinados conforme a metodologia proposta pelo relator e acatada pelo tribunal.

Quando julgava o ponto do qual decorreu a condenação de João Paulo Cunha, Marcos Valério e associados por corrupção, peculato e lavagem de dinheiro, Fux discorreu sobre a questão do ônus da prova argumentando que a presunção de inocência não desobriga o réu de contar uma história bem contada em sua defesa.

Não basta negar a acusação, disse o ministro em termos mais elaborados. É preciso apresentar uma versão verossímil face à realidade "de como as coisas são", para usar expressão da ministra Rosa Weber na sessão de quarta-feira ao analisar a denúncia de gestão fraudulenta contra dirigentes do Banco Rural.

Naquela mesma audiência, Luiz Fux desatou outro nó ao explicitar o papel do banco no esquema: "uma lavanderia de dinheiro" que, por intermédio das agências de publicidade de Marcos Valério, deu suporte a "uma agremiação partidária".

O Supremo Tribunal Federal vai assim há mais de um mês contando uma história que aponta para um desfecho cada vez mais próximo da narrativa da acusação sobre a existência de uma organização criminosa cujo objetivo era arrecadar e distribuir recursos a partidos aliados mediante o uso do aparelho de Estado.

O entendimento da maioria dos ministros guarda léguas de distância da versão da defesa sobre a ocorrência apenas (como se fosse pouco) de crime eleitoral desconectado de uma sistemática de dolo coletivo e até agora segue, em seu arcabouço, a lógica do relator Joaquim Barbosa.

No primeiro capítulo, o STF mostrou o modus operandi de desvio de recursos públicos para as contas de empresas de Marcos Valério - por contratos de publicidade firmados com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados - e delas repassados aos políticos, elegendo como exemplo inicial o deputado João Paulo Cunha e os R$ 50 mil retirados em espécie no banco por ordem da agência SMPB.

No segundo capítulo, o Supremo desvendou a montagem de empréstimos fraudulentos no tocante às normas bancárias para ocultar a origem dos recursos. No terceiro, mostrará como o dinheiro foi lavado.

A partir daí, desenrolar-se-á o novelo em que dificilmente deixarão de se enredar os integrantes do chamado núcleo político, beneficiário, mandante e consequentemente dono do domínio dos fatos que resultaram na urdidura de um esquema que a Corte vai reconhecendo como criminoso.

Bicudos. Para que não se faça de Fernando Henrique Cardoso uma vítima eterna dos equívocos do PSDB e se respeitem os fatos, cumpre não esquecer que o então presidente na eleição de 2002 não escondeu a satisfação de incluir em seu currículo o fato de ser sucedido por um "operário".

Se de um lado foi largado pelos tucanos, de outro não impôs reparos ao apoio implícito de muita gente do governo à eleição de Lula nem ao abandono explícito de setores do partido à candidatura de José Serra.

Aí incluídos o presidente do PSDB, Tasso Jereissati, cabo eleitoral assumido de Ciro Gomes, e o então candidato a governador de Minas, Aécio Neves, arquiteto do voto "Lulécio".

Ponto final. A oposição pode ser "suja", a elite "preconceituosa", a imprensa "reacionária" e a Justiça "instrumento de golpistas", como diz o presidente do PT, Rui Falcão.

Mas quem flerta com a possibilidade de ver correligionários na cadeia é o PT.

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