24 de setembro de 2012 | 21h 16
STF mostra que 'não se condena só ladrão de galinha', diz Sandra Cureau
Em entrevista ao 'Estado', vice-procuradora geral defende Lei da Ficha Limpa e critica presença da religião nas eleições
Alana Rizzo, de O Estado de S. Paulo
Pablo Valadares/AE
Sandra Cureau acredita em mudança após julgamento do mensalão
Acho muito ruim o julgamento estar sendo realizado junto com a eleição municipal porque está atrapalhando a análise dos processos eleitorais. Três ministros do Supremo estão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e passam o dia julgando o mensalão. Agora acho muito positivo que o Supremo esteja sendo, no conjunto, bastante independente. Os ministros estão decidindo de acordo com a lei e com as provas dos autos. Comprovado os fatos, é extremamente importante que as pessoas sejam condenadas. O julgamento vai mostrar ao Brasil, talvez pela primeira vez, que não se condena só ladrão de galinha e vai mostrar aos políticos que as coisas estão mudando aqui e que também não é comprando apoio com dinheiro que você vai conseguir governar. Tem um efeito educativo nos políticos e que vai refletir na população. Você já vê isso concretamente porque houve um candidato que já renunciou. Chegamos a um ponto que a sociedade não aceita mais e a Lei da Ficha Limpa fecha muito bem. A lei foi o primeiro basta e o julgamento agora reflete que a sociedade não aceita mais essas práticas.
O Supremo validou a Lei da Ficha Limpa para as eleições de outubro. Qual o impacto da nova legislação ?
É impressionante como com a Lei da Ficha Limpa você descobre o universo dos candidatos. São vários casos de pessoas condenadas por estelionato, uma quantidade imensa de condenados por tribunais de contas por malversação de dinheiro público, afronta a lei das licitações, prejuízo erário em benefício próprio, e também candidatos condenados por crimes. Já devem ter passado por aqui uns oito condenados por tráfico de entorpecentes. A Lei da Ficha Limpa deu a chance de conhecermos quem são essas pessoas e por que querem ocupar um cargo público. Por exemplo, por que um traficante condenado está concorrendo a uma vaga na Câmara Municipal? Qual é a intenção dele? Nós tivemos um caso de um candidato na Baixada Fluminense que está respondendo a 48 processos criminais. Outro em Belford Roxo que está respondendo a 29. É essa realidade que a gente não tinha antes porque como tinha que tramitar em julgado a decisão, né? Agora basta a decisão colegiada. Já tive também um estuprador candidato, uma homicida e vários estelionatários. Quem são essas pessoas que querem representar o povo brasileiro e por que? A Lei da Ficha limpa mostrou com mais clareza esse universo. Sem a lei, a gente jamais saberia.
Como estão os preparativos para as eleições?
A eleição começou mal. No período em que deveriam estar chegando um grande número de processos para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgar, os funcionários dos tribunais regionais eleitorais e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estavam em greve. Passamos o mês de agosto sem receber quase nada e o TSE também não julgou quase nada dessa eleição. A primeira sessão dedicada a processos dessa eleição foi quinta-feira. Nós já mandamos mais de 3,5 mil pareceres dessa eleição para o TSE. Agora, ocorre que estamos há poucos dias das eleições e dificilmente vamos conseguir enfrentar todos esses casos e isso gera uma insegurança jurídica imensa. Há muitas decisões monocráticas, algumas modificando decisões dos TREs, além de candidatos com registro indeferido e que não vão participar das eleições. A insegurança é grande. O eleitor vai votar sem ter certeza se o candidato vai assumir e se o registro vai ser confirmado. É uma situação muito peculiar.
Como a sra vê a influência dos debates religiosos nas últimas eleições?
Acho péssimo. No Brasil, é muito clara a separação do Estado da Igreja, mas quando chega as eleições a separação desaparece. E aí começam discussões sobre assuntos que as igrejas atacam, como aborto, união homoafetiva, e os candidatos são compelidos a adotarem posições que nem sempre são a deles para conseguirem se eleger. Você vê, por exemplo, a situação do candidato que está em primeiro lugar em São Paulo, apoiado pelas igrejas evangélicas, mas não há um partido político. As igrejas não têm partido político e nem podem ter. Só que na prática os candidatos são financiados por elas, as igrejas fazem campanha com verba própria por determinado candidato ou por determinada tese e atacam outros candidatos. As igrejas estão se envolvendo num debate político e que não é delas. Para resolver, é só com a maturidade do país. Essas manifestações e pressões não podem ser consideradas na hora de escolher um prefeito ou um vereador. Quando a religião toma conta do debate eleitoral, as propostas acabam indo para um plano secundário, o que é péssimo.
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