segunda-feira, 3 de setembro de 2012

PADRÕES DE MORALIDADE

 
ZERO HORA 03 de setembro de 2012 | N° 17181

EDITORIAL

O alto coturno dos réus ora sob julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) faz do processo do mensalão um caso que transcende em muito a mera decisão sobre culpas e absolvições de caráter individual. Ao julgar com rigor o maior escândalo político da década passada, como vem ocorrendo até o momento, os ministros estão definindo com clareza padrões de moralidade em relação a questões que muitos homens públicos procuram colocar num limiar difuso. De forma que finalmente parece não deixar dúvida sobre o que vem ou não a ser ilícito, os ministros vêm firmando entendimento sobre o que é considerado inadmissível na conduta de servidores, autoridades, detentores de cargos eletivos e dirigentes de instituições privadas.

Um observador estrangeiro que chegasse ao país sem conhecer suas leis e história recente poderia até mesmo se perguntar por que um julgamento dessa natureza atrai tanta expectativa, uma vez que se trata de efeito puro e simples da norma legal. A esse visitante, caberia aplicar uma pequena sabatina: conhece o processo de formação do Estado brasileiro e o papel nele desempenhado pelos distintos atores sociais? Já passou os olhos pelas sucessivas Constituições, a primeira delas outorgada pelo imperador da Casa de Bragança na primeira metade do século 19? Tem notícia dos longos períodos de arbítrio que marcaram a República brasileira, do compadrio, do coronelismo, da ditadura castilhista no Rio Grande, do perigoso namoro dos governos de Getúlio Vargas com o nazifascismo nos anos 1930? Pois esses e outros traços contribuíram para criar verdadeiros parênteses legais que moldaram e ainda moldam a percepção de muitos agentes políticos. O resultado é que jamais se viu no banco dos réus da mais alta Corte do país plantel tão numeroso de ex-luminares da República como o do presente julgamento. Esse fato, por si só, justifica a expectativa dos cidadãos brasileiros. Desde a prática dos malfeitos ora em exame, passaram-se mais de sete anos, e no entanto faz-se justiça, ainda que tardia.

O que um homem público não pode, em hipótese alguma, fazer ou deixar que se faça? Essa questão, que resume os dilemas do julgamento do mensalão, é central para um país que ainda não encara a lei e a ética como círculos concêntricos. Dois casos que acabam de vir à tona durante as recentes sessões do Supremo evidenciam o tamanho do problema. Um deles é a alteração de um projeto de lei de forma proposital com o único intuito de beneficiar alguns réus. Outro é o caráter fictício, sublinhado pelo relator Joaquim Barbosa, de empréstimos bancários utilizados para irrigar o mensalão.

Por mais sisudos e rebuscados que possam parecer aos ouvidos da sociedade de maneira geral, os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal contêm uma promessa vital para a democracia brasileira: a de que crimes contra o erário e a fé pública não restarão impunes em terras brasileiras. Trata-se, até o momento, de uma promessa por cujo cumprimento vale a pena esperar.



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É exatamente isto que o povo brasileiro paga e deseja de sua justiça: "a de que crimes contra o erário e a fé pública não restarão impunes em terras brasileiras."

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